Economia
E agora, José?
Inesperadamente a Câmara norte-americana rejeitou a proposta de resgate dos bancos após líderes partidários terem concordado com um projeto que, mesmo bastante diferente do esboçado pelo Secretário do Tesouro, mantinha o desenho básico de adquirir dos bancos US$ 700 bilhões de papéis lastreados em hipotecas. Não haverá, portanto, até segunda ordem, o resgate dos bancos, que terão que carregar no seu balanço estes títulos, cujo valor permanece uma incógnita.
Isto representa duro golpe para o setor bancário. Se há dúvidas sobre o valor destes papéis, sem a troca destes por títulos públicos esta desconfiança apenas aumentará, levando a uma queda adicional do seu valor de mercado. O problema, porém, é que esta queda se manifestará de forma desproporcional sobre o crédito e o crescimento.
Com efeito, cada dólar de redução de valor de mercado destes papéis implica um dólar a menos de capital do sistema bancário, com duas possíveis conseqüências. A menos grave, mas praticamente certa na ausência do programa de resgate, seria uma redução significativa do volume de crédito. Como bancos tipicamente têm um volume de empréstimos equivalente a um múltiplo do seu capital, este mesmo dólar de capital a menos vira um valor bem maior em termos de redução do crédito, reduzindo a demanda doméstica norte-americana.
A mais grave, ainda que menos provável, seria o aprofundamento da onda de quebras de instituições financeiras. De fato, a depender do montante de perda de valor dos papéis lastreados em hipotecas, as perdas do banco podem superar o seu capital, o que configura um problema de insolvência. Dada a profunda integração entre bancos, falamos da possibilidade de uma crise de grandes proporções, com efeitos ainda mais severos e duradouros sobre o nível de atividade.
De qualquer forma, portanto, vivemos a iminência de uma forte queda adicional do crescimento americano, cujas conseqüências não podem ser ignoradas. Especificamente no caso brasileiro, se é verdade que apenas pouco mais de 2% do PIB estão diretamente expostos (via exportações) à economia americana, há outros canais pelos quais o país pode sofrer impactos negativos.
O primeiro viria pela queda do preço de commodities na esteira da desaceleração mundial. A elevação no preço destes bens implicou aumento no preço dos bens exportados pelo Brasil relativamente àqueles que importamos. Isto tem permitido aumentar as importações mais do que poderíamos em circunstâncias normais, e, portanto, possibilita que a demanda doméstica cresça bem à frente do PIB. Sem, porém, o auxílio das commodities isto não poderia ser mantido, implicando significativa depreciação do real combinada com aperto monetário para trazer o crescimento da demanda doméstica a níveis inferiores ao crescimento do produto.
Por outro lado, é difícil imaginar que uma forte redução do crescimento mundial não resulte também em redução do fluxo de capitais para as economias emergentes, Brasil entre elas, levando à depreciação adicional do câmbio e à necessidade de conter ainda mais a demanda.
Isto dito, se as conseqüências da crise serão negativas, é também importante notar que o Brasil dispõe desta vez de instrumentos que permitem, ao menos, mitigar estes efeitos. Destaco em particular o volume de reservas que, à taxa de câmbio de hoje, reduziria a relação dívida - PIB em 2,5%. Em outras palavras, a solvência do país, ao contrário de outros episódios, não será questionada, fator que deve impor limites aos efeitos da crise sobre o Brasil.
(Publicado 30/Set/2008)
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