Contágio e conseqüência
Economia

Contágio e conseqüência


Há pelo menos três canais por onde o impacto da crise internacional nos afeta diretamente: comércio global, preços de commodities e, finalmente, fluxos de capitais. A combinação destes deverá implicar não apenas a redução da taxa de crescimento, mas também uma alteração importante na sua composição, à medida que a demanda doméstica, fator preponderante da aceleração do crescimento nos últimos quatro anos, deverá encontrar limites bem mais claros à sua expansão.

De 2002 até meados deste ano a conjuntura internacional se mostrou extremamente favorável ao país. Sem desmerecer a adoção de políticas domésticas que, não tenho dúvida, ainda ajudarão o país a se diferenciar de vários de seus pares no futuro próximo, parcela relevante dos desenvolvimentos positivos no país se originou de fatores externos.

O país foi beneficiado, em primeiro lugar, pelo aumento de preços de commodities. Como exporta muito mais commodities do que importa, esta alta resultou em preços de produtos exportados crescendo acima dos preços de importados, isto é, uma melhora dos termos de troca. Conjugada à expansão dos volumes exportados, em parte derivada da expansão do comércio global, esta melhora implicou forte elevação da capacidade de importar: entre 2002 e o terceiro trimestre de 2008, estima-se que o poder de compra das exportações tenha crescido em torno de 80%.

Este processo, por sua vez, permitiu que a demanda doméstica passasse a crescer acima da produção, o que não observávamos desde 1997/98, quando preços de commodities em queda haviam piorado nossos termos de troca. Obviamente, se a demanda doméstica cresce mais rápido que a produção, a diferença deve ser coberta com importações físicas crescendo acima das exportações físicas, o que foi possível principalmente pelo aumento do poder de compra das exportações.

Completando este quadro, a expansão da liquidez mundial barateou o financiamento, trazendo vastos volumes de capital estrangeiro, aparentes na expansão do investimento estrangeiro no país, em particular o investimento direto, que se acelerou de US$ 15 bilhões/ano entre 2002/05 para US$ 35 bilhões/ano em 2007/08.

Não há dúvida, porém, que estes três fatores mudaram de direção, isto é, podemos esperar queda de preços de commodities, desaceleração do comércio global e menores fluxos de capital. A resultante não poderia ser mais clara: a capacidade importadora se reduz e, portanto, também a diferença entre o crescimento da demanda doméstica e do produto deverá cair, revertendo o processo observado nos últimos anos.

Quem anuncia esta mudança, como seria de se esperar, é o sistema de preços. Da mesma forma que a melhora externa se traduziu numa taxa real de câmbio mais forte, incentivando a demanda doméstica às expensas da demanda externa, a piora das condições internacionais requer o inverso, isto é, câmbio real mais depreciado, mesmo com a diferença entre os juros locais e os externos na verdade até mais alta que no passado. Aliás, isto só demonstra o que venho há muito insistindo neste espaço, isto é, que a trajetória da taxa real de câmbio depende mais de variáveis externas que a mera diferença de taxa de juros.

Em resumo, o choque externo reverteu as condições que permitiam o crescimento rápido da demanda doméstica com efeitos inflacionários mitigados (não eliminados) pela disponibilidade de importações. Insistir em manter a demanda doméstica acelerada só há de trazer mais depreciação cambial e inflação. Vamos tentar não repetir este erro?
(Publicado 29/Out/2008)



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