Emplasto Brás Cubas
Economia

Emplasto Brás Cubas


Há quem prefira Dom Casmurro, mas meu favorito sempre foi Brás Cubas e seu miraculoso “emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar nossa melancólica humanidade”. Se, porém, o defunto autor não teve reconhecidas as glórias da invenção do alívio contra todos os males, podemos comemorar agora: basta gastar e baixar o juro. Cura até unha encravada.

No entanto, que pena, nem o maravilhoso mundo da ficção admite inconsistências desta ordem. Quem acha que pode tratar de problemas distintos com as mesmas políticas irá se decepcionar amargamente.

Os países no epicentro da crise tiveram seu sistema financeiro devastado: não só o capital dos bancos foi severamente reduzido como também estes têm que reduzir a relação entre empréstimos e capital, redundando em forte contração do crédito e, portanto, da demanda. A inflação, por outro lado, deixou de ser problema, face à própria queda de demanda e à redução de preços de commodities no caso de países que são fundamentalmente importadores destes produtos. Dados preços e atividade em queda, a melhor política é mesmo impulsionar a demanda.

O Brasil, porém, é um exportador líquido de commodities e, como tal, prejudicado pela queda de seus preços. A expressão real deste fenômeno - como mostrei em meu último artigo - é a redução da capacidade de importar, enquanto sua expressão monetária é a depreciação da taxa de câmbio, cujo efeito sobre preços domésticos é bastante conhecido. Ao contrário de países importadores de commodities, o choque externo é, no nosso caso, inflacionário. O remédio de uns é o veneno dos outros.

Sabemos, é verdade, que o crédito desacelerou fortemente no mês passado, tendência que, mantida à frente, conduziria à diminuição expressiva da demanda. No entanto, o que nos levaria a crer que o sistema financeiro nacional reproduzirá nos próximos meses o desempenho de outubro? Ao contrário do que ocorre mundo afora, os bancos brasileiros não sofreram perdas de capital, nem precisam reduzir a relação entre crédito e capital. Passado o choque inicial em que a incerteza acerca dos efeitos da crise sobre o país levou a um comportamento cauteloso, bancos devem voltar à normalidade e o ocorrido em outubro dificilmente será a norma.

Assim, aplicado o emplasto na forma de políticas econômicas que mantenham o crescimento da demanda doméstica, na linha do ocorrido em outros países, não é difícil imaginar as conseqüências. Importações, bastante sensíveis à demanda, não se desacelerarão. Exportações, por sua vez, seguindo o crescimento do comércio mundial e preços de commodities, devem perder fôlego. Estes desenvolvimentos combinados à maior escassez de capital num mundo de liquidez em baixa se traduzem em taxas de câmbio ainda mais depreciadas e, portanto, efeitos inflacionários adicionais ao choque da desvalorização inicial.

Óbvio que sempre iremos achar, entre os “keynesianos de quermesse” que cá abundam, quem diga que a preocupação com inflação é coisa menor no atual cenário e que o foco deveria estar no crescimento. No entanto, o problema não é (e nunca foi) crescer em 2009, e sim garantir que o crescimento seja duradouro, o que só é possível num cenário de estabilidade, exatamente como mostrado pela nossa própria experiência nos últimos anos. Por mais tentador que soe, ficará muito caro abandonar o regime de metas bem como toda estrutura de política econômica comprometida com a estabilidade.

A alternativa é o emplasto Brás Cubas. Só não espere que ele nos livre do legado da nossa miséria.

(Publicado 12/Nov/2008)



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