Pensamentos esparsos sobre a crise
Economia

Pensamentos esparsos sobre a crise


“Caio disse:

Alex você não acha que existe limites para intervenção estatal na economia?

O tesouro pretende dar um trilhão de USD para os bancos com dinheiro do contribuinte, como os EUA não tem esse dinheiro vão ter que emitir títulos públicos aumentando a divida interna.Os erros foram cometidos pelo FED que colocou juros durante muito tempo baixo.1% ao ano,isso já era de se esperar.Erro de regulação não houve porque a economia americana é muito regulada.

Bernake tem que colocar o juros em 8% para desinflacionar a economia.Depois que a inflação baixa o juros cai e a economia volta a crescer.”

Caio:

Sim, há limites. Fora isto, tudo o mais, ou está errado, ou mostra que você ainda não entendeu o que está em jogo.

Há hoje basicamente duas alternativas: (1) deixar os bancos quebrarem; e (2) comprar os ativos podres dos bancos, ficar com eles e ver quanto valem no final.

No caso da alternativa (2), o Tesouro pede autorização para emitir US$ 700 bilhões (não é um trilhão, mas não está longe). Isto, porém, não é o custo para o contribuinte. O custo para o contribuinte é a diferença entre o quanto o Tesouro pagará pelos ativos e quanto recuperará no final. Se for zero, aí sim o custo será de US$ 700 bilhões, cerca de 5% do PIB americano.

O custo da alternativa (1) é desconhecido. Qual o impacto de uma crise sistêmica que atinja os bancos americanos, com fortes possibilidades de contágio de bancos europeus? Pensando apenas do ponto de vista de contração de crédito, se estes ativos valerem mesmo zero (assim posso comparar com a alternativa (2)), os bancos reduzirão seu capital em US$ 700 bilhões.

Supondo, conservadoramente, que a alavancagem seja 12:1 (nos bancos de investimento é muito maior), isto implicaria uma queda de crédito de US$ 8,4 trilhões, ou seja, 60% do PIB. Crédito nos EUA é algo da ordem de US$ 30 trilhões (pela casa de 200% do PIB); portanto, a redução do crédito ficaria entre 25-30%. Como você acha que a economia americana reagiria a uma contração do crédito desta ordem?

Claro, o impacto pode ser minorado pela recapitalização dos bancos, mas quem, em sã consciência, vai botar dinheiro em bancos nas atuais circunstâncias? Note também que isto não captura outros efeitos, por exemplo, o que a redução do nível de atividade por conta da contração de crédito causaria nos demais ativos (não imobiliários) dos bancos, como cartões de crédito, empréstimos estudantis, crédito ao consumo, etc. Não captura o efeito da queda do valor das ações sobre a demanda e muitos outros. Resumindo, podemos estar falando de uma recessão bíblica, com fogo, enxofre, ira divina, e tudo a que temos direito...

Se a contração do PIB (mais precisamente o valor presente do desvio do produto com relação ao seu potencial ao longo do período todo do impacto) passar de 5%, então a alternativa (2) é superior. Fim de papo.

Ou não. Há duas considerações que valem a pena.

Primeiro a questão do “moral hazard”. Obviamente resgate implica “moral hazard”, mas note que – pelo que foi discutido acima – não há como o governo se comprometer que NÃO fará resgates, porque há circunstâncias (e esta pode ser uma delas) em que a análise de curto prazo entre custos relativos indica que, sim, o governo deve resgatar para evitar o mal maior. Sabendo disso, há incentivos para o comportamento arriscado, o tal do “moral hazard” na crença que, se o problema for suficientemente grave, o governo NÃO terá alternativa. (Para quem gosta destas coisas, estamos diante de um problema de inconsistência temporal).

A solução é, obviamente, criar uma regulação que limite estes incentivos e uma fiscalização que garanta que a regulação é aplicada. Por este motivo, falar que a economia americana é excessivamente regulada é um erro, pelo menos no que tange o setor financeiro. A originação das hipotecas foi abaixo da crítica: falta de documentação, de comprovação de renda, o que quiser...

A existência de estruturas fora do balanço dos bancos (SIVs, SPCs, etc) e, portanto, fora da vigilância dos órgãos reguladores/fiscalizadores, é de doer em qualquer um que tenha trabalhado em órgãos semelhantes mundo afora (e eu não sou exceção).

Se isto falha, como falhou, a discussão de “moral hazard” em termos de salvar ou não salvar bancos vira brincadeira. A discussão real teria que ter ocorrido há muito, para não deixar a situação chegar aonde chegou. Quando chega neste ponto a capacidade de escolha desapareceu há muito, ou você acha que o Bernanke não conhece “moral hazard”?

A outra questão não tem a ver diretamente com a pergunta do Caio, mas com o plano em si. Qual é a relação entre o valor que os bancos receberão, o valor a que os papéis estão marcados e o capital dos bancos?

Caso os bancos recebam pelo valor a que os papéis estão marcados (presumivelmente a mercado, ou algo próximo, esperamos), ainda podem ficar abaixo da linha d’água no que se refere a capital, ou seja, em bom português, quebrados. O problema já deixou de ser liquidez e pode, sim, ser um problema de solvência. Como resolver depois do resgate? Chamam mais capital (sem resolver o problema de solvência)? O Tesouro entra como sócio?

Se receberem um valor acima do valor dos papéis, podem se salvar, mas até que ponto isto é subsídio ao acionista? Ou o governo faz apenas o suficiente para deixá-los na linha d’água e, a partir daí, buscarão novos acionistas (os acionistas originais perderão tudo, ou quase tudo, o que ajuda a limitar o problema de “moral hazard”). Idealmente esta parece ser a melhor alternativa (o custo também), mas precisa que a recapitalização venha logo.

Por fim, quanto à inflação americana, frente à queda de atividade que veremos à frente, em breve deixará de ser problema. Não precisa por o juro em 8% (aliás, de onde você tirou este número?).

Quer dizer, o problema é muito complicado para ser resolvido com frases feitas. Tem que pensar desde o começo.



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