O fim do que nunca foi
Economia

O fim do que nunca foi


“Quando o Governo pede que paguem pelos erros de Wall Street, não parece justo” disse o presidente norte-americano, George Bush, enquanto pedia nada menos do que isto. Se reconhece a injustiça, por que, então, o governo americano, como tantos outros, enfrenta o custo econômico e político de se envolver numa operação complexa, quando poderia anunciar que se trata de problema privado, que caberia ao setor privado resolver?

A resposta é, até certo ponto, simples: o governo americano (mas não, aparentemente, o Congresso) acredita que o custo do resgate é inferior ao da alternativa. O plano envolveria a troca de US$ 700 bilhões de títulos públicos por papéis lastreados em hipotecas pertencentes aos bancos. Caso estes últimos valham zero (hipótese extrema, mas que ajuda a simplificar o raciocínio) o custo do resgate seria exatamente US$ 700 bilhões, ou cerca de 5% do PIB.

Já o custo de não fazer nada (ainda sob a hipótese de valor zero) seria uma redução adicional de US$ 700 bilhões do capital dos bancos. Bancos, porém, ofertam crédito como um múltiplo de seu patrimônio (a famosa “alavancagem”) e, portanto, a redução de crédito seria um múltiplo de US$ 700 bilhões. Supondo (conservadoramente) uma alavancagem de 10 vezes, falamos de uma contração de US$ 7 trilhões, algo como 50% do PIB. Não é preciso muito para concluir que os EUA podem passar por uma recessão bíblica, mesmo se os bancos sobrevivessem para contar a história.

Assim, justa ou injustamente, quando a situação chega aonde chegou, a verdade é que o governo deixa de ter opções: ou resgata o sistema financeiro, ou vive uma crise ainda maior. Obviamente, sabendo disto, bancos têm incentivos para se engajar em operações arriscadas: caso as apostas funcionem, ficam com os ganhos; caso percam, sabem que ao menos parte dos prejuízos será paga pela sociedade.

Estas circunstâncias envolvem temas complexos do ponto de vista teórico. Não apenas o governo não consegue se comprometer com uma promessa de não salvar os bancos como, por este motivo, gera incentivos errados em termos de atitudes com relação à tomada de risco. Por este motivo, a única alternativa que sobra ao poder público é não permitir que a situação chegue a este ponto e os instrumentos para isto são regulação e fiscalização, lição que há muito se sabe, mas que parece ter sido solenemente ignorada no caso em questão.

A crise que observamos hoje, portanto, tem origens mais prosaicas do que certos analistas parecem acreditar. Não resulta das “contradições inerentes ao capitalismo”, nem implica o fim do credo liberal. Resultou, sim, de uma regulação inadequada (que, por exemplo, admitiu que bancos mantivessem estruturas fora do seu balanço, além do alcance dos órgãos reguladores e fiscalizadores), e de fiscalização frouxa, aparente na queda dos padrões de análise de crédito, permitindo que famílias tomassem crédito além de sua capacitação. Não por acaso, onde regulação e fiscalização foram mais adequadas, os efeitos da crise têm sido muito menores.

E não é verdade, por fim, que a inevitável mudança de regulação/fiscalização que iremos testemunhar marque o fim do laissez-faire, pela simples razão que há muito não existe laissez-faire no sistema financeiro. Devido a problemas como os mencionados acima, não há sistema financeiro no mundo que não seja regulado. A questão não é, pois, saber se devemos regular o sistema financeiro, mas sim como desenhar a regulação para equilibrar benefícios da expansão de crédito e os riscos que esta acarreta.

(Publicado 01/Out/2008)



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