Economia
Tempo de plantar; tempo de colher
Eu não queria tratar do tema da turbulência financeira mundial, mesmo porque há pouco mais de um mês analisei neste espaço exatamente a questão do risco de crise e seus possíveis desdobramentos sobre o país (“E se?”, 13/Jun/07). No entanto, é difícil não abordar o assunto depois da semana passada, à luz da forte queda das bolsas e da elevação geral dos prêmios de risco.
A questão central sobre os possíveis desdobramentos de enorme movimento de queda de preços de ativos, acredito, é a seguinte: trata-se de um problema financeiro, isto é, muito importante para quem tem dinheiro aplicado em ativos de risco, porém circunscrito à esfera dos mercados, ou, pelo contrário, seria este o evento a deflagrar a muito esperada, mas nunca concretizada, grande crise mundial?
A primeira hipótese me parece mais provável. No rastro da reavaliação geral de risco que se seguiu à crise das hipotecas nos EUA, muito dinheiro trocou de mãos e muito mais ainda o fará antes que os agentes consigam determinar quem, em meio a mortos e feridos, ficou com o famigerado “mico”. A própria falta de transparência acerca deste ponto tem travado os mercados, minando a confiança necessária para que as partes possam se engajar em operações normais de crédito. Isto ficou patente no comportamento dos mercados interbancários, requerendo a atuação saneadora dos BCs ao redor do mundo.
Por sorte, a tecnologia para se lidar com problemas de confiança no mercado interbancário é conhecida e bastante eficiente. Tornando disponível linhas de crédito para o financiamento dos bancos neste mercado os BCs devem conseguir debelar rapidamente este particular problema. Aliás, ao contrário dos que alguns parecem crer, este tipo de operação não envolve transferência de recursos públicos para o setor financeiro, nem salvará investidores que tenham feito apostas erradas, mas, com elevada probabilidade, evitará que as perdas originais afetem negativamente o sistema bancário mundial.
Isto reduz o potencial de contágio do mercado financeiro para a economia real. A quebra de um grande banco poderia implicar grave contração do crédito e, portanto, da atividade, como atestado pela experiência de países que passaram por processo semelhante. Restariam ainda, porém, outros canais de contágio, em particular sobre consumo (devido à queda do valor dos ativos) e investimento (devido ao aumento do custo de capital) na economia americana. Mesmo, todavia, que seja razoável esperar alguma desaceleração adicional nos EUA, o crescimento mundial é mais equilibrado que há poucos anos, de modo que as chances de uma parada brusca se tornam bem menores.
Se isto for verdade, o Brasil deverá passar pelo processo de forma mais tranqüila do que em outros episódios, pois não é de hoje que o país vem se preparando para a virada da maré. Decisões tomadas ainda no primeiro mandato, como a elevação do superávit primário (buscando diminuir a dívida pública), a redução da inflação, bem como a política de reconstrução das reservas (curioso como sumiram os que criticavam o seu custo, não?) iniciada pelo BC em janeiro de 2004, tornaram o país menos vulnerável aos choques externos. Isto permite até quem se opôs a estas políticas se vangloriar da saúde financeira do país. Independente, porém, de quem plantou e quem colheu, ao final, os ganhadores são todos nós.
(Publicado 22/Ago/2007)
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