Timeo Danaos et dona ferentes
Economia

Timeo Danaos et dona ferentes


É impossível não falar da atual crise grega (europeia), seja para discutir suas causas, seja para, como pretendo hoje, pensar nas suas possíveis consequências, em particular para a economia brasileira. Será que, como em 2008, a crise externa pode descarrilar a retomada do crescimento observada nos últimos cinco trimestres? Para responder a esta pergunta, temos antes que saber quais são seus potenciais canais de transmissão para o Brasil.


O primeiro deles é o fenômeno conhecido como “fuga para a qualidade”. Em que pese o epicentro da crise de crédito de 2008 ter sido a economia americana, tanto naquela época como agora observamos que investidores, num cenário de turbulência, preferem manter seus recursos sob a forma de ativos americanos. Não se trata apenas da percepção que estes embutem um baixo risco de não-pagamento; também o mercado destes papéis é muito líquido, o que permite a investidores montar e desmontar rapidamente suas posições, sem os custos proibitivos que costumam aparecer em tempos de crise em mercados menos profundos.

Não por acaso, portanto, na semana passada, todas as principais moedas flutuantes (exceto o iene) se desvalorizaram frente ao dólar, assim como o real. Isto é, uma das formas de transmissão da crise é o fortalecimento global do dólar, que implica, é claro, enfraquecimento do real.

Além deste efeito é possível mapear outro, relacionado ao primeiro, mas que atua de forma indireta. Como expliquei em meu artigo de 31/03/10 (Síndrome da China), há uma clara relação negativa entre o valor do dólar e o preço das commodities: o fortalecimento do primeiro costuma ter repercussões negativas para os últimos. Por outro lado, o real tende a andar em linha com as commodities, de modo que o dólar mais forte traz uma razão adicional para a desvalorização do real (bem como das demais moedas-commodities).

Resta saber se o presumível aprofundamento da crise teria, como em 2008, efeitos nefastos sobre a atividade econômica, provavelmente por uma depressão adicional do crédito. É uma possibilidade, mas hoje acredito ser muito difícil uma repetição, mesmo em escala menor, dos eventos do último trimestre daquele ano.

Estima-se que as perdas associadas à crise de crédito tenham atingido cerca de US$ 1,8 trilhão e possam chegar, ao final do processo, a US$ 2,5 trilhão. Ao mesmo tempo, havia forte incerteza sobre a distribuição das perdas naquele momento, pois tanto os títulos lastreados em hipotecas como os derivativos a eles associados eram transacionados em mercados de balcão, o que manteve todas as instituições financeiras na defensiva por não saberem exatamente a saúde das suas contrapartes, levando à paralisia nos fluxos interbancários e no crédito em geral, e, portanto, ao colapso do comércio internacional e da atividade econômica.

Em contraste, pelo menos no caso da Grécia, falamos de valores consideravelmente menores e de um conhecimento bem mais claro da exposição de cada instituição, vale dizer, sem a mesma incerteza quanto às contrapartes. Daí meu ceticismo quanto à reprise do episódio Lehman Brothers e da parada súbita de fluxos financeiros que se seguiu.

Por fim, ao contrário daquele período, não parece haver uma exposição das empresas brasileiras aos derivativos cambiais que exacerbaram a desvalorização da moeda e, também por conta da incerteza, travaram a concessão de crédito no país. Assim, o impacto mais provável da crise parece ser no sentido de enfraquecimento do real, mas sem a queda abrupta de atividade sofrida há um ano e meio.

(Publicado 12/Mai/2010)



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