Economia
E se?
Na semana passada os mercados financeiros passaram por nova turbulência, agora por conta da elevação dos rendimentos dos títulos norte-americanos, em meio a receios acerca tanto da resistência da inflação nos EUA, quanto de uma possível redução da demanda por ativos daquele país por bancos centrais do resto do mundo. Ainda que seja provavelmente cedo demais para determinar se esta turbulência significa o início do fim de um longo ciclo de expansão econômica e exuberância (irracional?) dos mercados, fica no ar a pergunta a propósito dos possíveis efeitos de uma eventual reversão sobre a economia brasileira.
De fato, não se pode negar que o Brasil se beneficia enormemente do ambiente internacional. Preços de commodities aumentaram quase 80% desde seu pior momento em 2002, favorecendo o crescimento das exportações e o forte ajuste do nosso balanço de pagamentos. Já a ampla liquidez se traduz em queda substancial dos prêmios de risco, também com reflexos positivos sobre o balanço de pagamentos e o custo de capital das empresas brasileiras.
Deste modo, a restrição do balanço de pagamentos, que no passado motivou várias crises, foi relaxada, possibilitando que o país passasse a exibir um crescimento muito menos volátil. Como chamei a atenção recentemente, o Brasil exibe agora 14 trimestres de crescimento industrial consecutivo, a mais longa série dos últimos 16 anos pelo menos. Em resposta a isto o investimento já começou a se acelerar, crescendo 9% em 2006 e com indicações ainda mais fortes para 2007. Estaria também este processo ameaçado por uma eventual mudança internacional?
Para despeito dos profetas do caos, a resposta é negativa, pois a melhora da economia brasileira, mesmo que favorecida pelas condições internacionais, também resultou da política econômica doméstica. É verdade que o ambiente internacional é importante, mas não há como ignorar que os efeitos de choques externos diferem significativamente entre países: sofrem mais aqueles cujas políticas sejam de má qualidade, enquanto outros navegam sem maiores problemas.
A maior qualidade aparece em três dimensões. O Banco Central, ao manter a inflação controlada, possibilitou a ancoragem das expectativas de inflação, o que significa que, relativamente ao passado, uma eventual piora do cenário externo implicaria uma política monetária muito mais suave que em outros tempos, como exemplificado pela continuidade da queda de juros mesmo em períodos de turbulência.
Além disto, a acumulação de reservas mudou drasticamente o perfil da dívida pública. O setor público tornou-se credor em moeda estrangeira, ou seja, no caso de crise uma desvalorização da moeda reduz a dívida pública ao invés de aumentá-la, afastando o risco, antes presente, de elevação insustentável da dívida e o temor de calote. Por fim, sujeita às restrições de sempre sobre a elevação ininterrupta do gasto público e dos impostos, a política fiscal conduziu à queda da relação dívida-PIB, reduzindo adicionalmente o risco de crise.
Assim, ainda que uma reversão do cenário internacional seja evidentemente danosa, há razões de sobra para crer que o país tenha hoje condições muito melhores de agüentar o tranco do que em episódios anteriores. A lição de casa e o seguro das reservas colocam o país em situação bem mais confortável, se o mundo, de fato, mudar para pior.
(Publicado 13/Jun/2007)
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