Economia
Pense globalmente; aja localmente
Recentemente abordei a questão da “inflação importada”, uma das muitas desculpas para a rápida deterioração do ambiente inflacionário no país, mostrando que, ao contrário do que se crê, a aceleração da inflação é um fenômeno doméstico. Isto dito, não há como negar que estamos enfrentando um aumento considerável da inflação ao redor do mundo associado a preços de commodities, colocando os bancos centrais face a um desafio como há muito não se via. Por que, então, o problema brasileiro seria diferente daquele enfrentado pelos demais países?
Acredito que, mesmo num mundo em que preços de commodities venham se acelerando, os efeitos sobre a inflação de cada país dependem fundamentalmente de duas considerações: o regime de câmbio e a natureza do choque de commodities, ou, mais precisamente, se o país tem câmbio flutuante ou administrado, e se o aumento de preços de commodities impacta as exportações ou as importações do país em questão.
No caso de países de câmbio administrado há pouca dúvida que um aumento de preços de commodities tende a ser repassado em larga medida para preços domésticos, já que a taxa de câmbio não amortece o choque externo. Se, porém, o país for um importador líquido de commodities, ele perde renda no processo, o que reduz os efeitos secundários do choque. Isto explica, por exemplo, porque a aceleração da inflação na China pode ser de fato atribuída ao preço dos alimentos, enquanto praticamente todo resto do índice de preços se mantém relativamente estável.
Por outro lado, ainda tratando de países com câmbio administrado, a coisa muda de figura se o país em questão for um exportador líquido de commodities. Neste caso, além do choque direto, há um aumento de renda associado a preços mais elevados, o que gera efeitos secundários principalmente sobre a demanda interna, acelerando a inflação. Exemplos mais patológicos deste processo têm acontecido na Argentina e Venezuela, levando a taxas obscenas de inflação, alertando para os perigos das propostas de administração de taxas de câmbio que cá ressurgem de tempos em tempos.
Uma outra combinação seria de câmbio flutuante para um país importador de commodities. A reação inicial será pior, porque – além do aumento de preços em si – a depreciação da moeda adiciona ao choque, acelerando bastante a inflação. No entanto, a perda de renda associada ao choque externo auxilia a política monetária no sentido de evitar efeitos secundários.
Por fim, há países com câmbio flutuante que são exportadores líquidos de commodities – como o Brasil – para quem os efeitos sobre a inflação são ambíguos, pois o câmbio tende a se apreciar em resposta à melhora dos preços de exportação, compensando seus efeitos. Nesta hipótese, o impacto pode tanto ser moderadamente inflacionário como moderadamente deflacionário (como parece ser o caso brasileiro).
Em outras palavras, mesmo face a um fenômeno global, não há como ignorar as características de cada país, em particular as duas dimensões destacadas acima. Deixadas de lado na análise do problema inflacionário levam a diagnósticos equivocados e a recomendações errôneas de política econômica. Aplicadas ao Brasil, estas análises falhas sugerem a irrelevância das políticas domésticas e certo relaxamento no combate à inflação, tentações que devemos evitar se queremos preservar a estabilidade duramente conquistada.
(Publicado 23/Jul/2008)
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