O Cavaleiro Inexistente e o Visconde Partido ao Meio
Economia

O Cavaleiro Inexistente e o Visconde Partido ao Meio


As últimas decisões do governo americano indicam que a estatização de parte do sistema financeiro é inevitável. Mesmo acreditando que a solução do problema passe pela estatização de instituições financeiras, ainda não me parece que isto, isoladamente, tenha condições de recolocar o sistema em funcionamento. E, sem crédito, qualquer política de recuperação do crescimento enfrentará dificuldades talvez instransponíveis, como sugerido pela longa agonia da economia japonesa.

Na prática, o problema do sistema financeiro pode ser resumido de forma simples: o valor de seus ativos não é suficiente para honrar todas suas obrigações (depósitos de clientes, dívidas, e outros). Sob tais circunstâncias, seria de se esperar que o valor de suas ações fosse a zero.

No entanto, isto ainda não ocorreu, talvez pelo mesmo motivo alegado por Agilulfo Emo Bertrandino dei Guildiverni e degli Altri di Corbentraz e Sura, cavaliere di Selimpia Citeriore e Fez, para explicar como, sem existir, cumpria seu papel no campo de batalha. Se o Cavaleiro Inexistente o conseguia “pela força de vontade e fé em nossa santa causa”, as ações desses bancos parecem manter algum valor amparadas na fé e na vontade que um plano de resgate, de alguma forma, ainda reserve algo aos acionistas.

Esta possibilidade, porém, parece a cada dia mais remota. Todavia, se o acionista deve terminar sem nada, o credor dessas instituições ainda tem motivos para achar que pode sair bem da história, o que nos traz de volta à estatização dos bancos e suas implicações para a retomada do crédito.

Quando o governo injeta capital para cobrir as perdas dos bancos ele aumenta seus ativos pelo valor de sua intervenção. Caso o montante cubra exatamente a diferença entre os ativos originais e as obrigações dos bancos o valor destas últimas é preservado, mas o capital continua sendo zero. Em outras palavras, embora o contribuinte salve tanto o credor quanto o depositante, os bancos seguem sem capital.

Nesta situação, entretanto, a capacidade dos bancos de retomar o crédito é tão inexistente quanto Agilulfo. Para que possam voltar à sua atividade de intermediação financeira, é necessário que a injeção de capital cubra não apenas a diferença entre ativos e obrigações, mas que também reponha o capital. Vale dizer, o contribuinte teria que pagar duas vezes: uma para salvar o credor/depositante; outra para fazer o crédito voltar. Por enquanto, o governo americano parece estar fazendo a primeira parte e, em algum momento, terá que fazer a segunda.

Ou não. Uma alternativa que poderia limitar o custo para o contribuinte consiste na divisão das instituições em duas, na linha adotada pelo Proer brasileiro. Ativos de má qualidade seriam transferidos para o chamado “banco ruim”, assim como parcela da dívida dos bancos. Estes credores teriam direito a receber aquilo que fosse eventualmente recuperado.

No “banco bom” ficariam os ativos rentáveis além daqueles que são contrapartida da injeção de capital, suficientes para pagar as obrigações restantes e com folga para que o banco voltasse a emprestar. Este arranjo daria maior poder de fogo aos recursos do governo em termos de reiniciar a concessão de crédito, à custa, é claro, dos credores, pois deve ficar claro que a estatização não pode criar valor, apenas redistribuí-lo entre credores e contribuintes. A solução para o problema do Cavaleiro Inexistente passa, pois, por partir o Visconde ao meio, mas será que há um Ítalo Calvino na equipe de Obama?

(Publicado 4/Mar/2009)



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