Economia
Bebida é água; comida é pasto
Não é segredo que, depois de atingir níveis bastante baixos, a inflação voltou a subir nos últimos meses. Nada que ameace a meta relativa a 2007, diga-se, de modo que muito provavelmente observaremos mais uma vez a inflação dentro do intervalo definido pelo Conselho Monetário Nacional. No entanto, dada a aceleração recente dos preços, já se pergunta se haveria riscos relativos ao cumprimento da meta de 2008. A posição aparentemente majoritária entre os analistas hoje define este risco como baixo, destacando que boa parte do ganho de velocidade da inflação resulta do aumento dos preços de alimentos.
Subjacente a este raciocínio está a idéia que preços de alimentos mais elevados decorrem de “choques de oferta”, isto é, de uma menor produção para dado nível da demanda, que se traduziria assim em preços temporariamente mais altos. Uma vez normalizada a oferta, porém, preços voltariam a seus patamares habituais e a inflação se reduziria.
Tal argumento, como tantos outros, não se preocupou em olhar os dados pelo prisma da teoria econômica. Ainda que tanto os choque de oferta como os de demanda possam causar preços mais altos, a teoria nos ensina que cada tipo de choque deixa uma assinatura característica. No caso de choques de oferta há uma correlação negativa entre preço e quantidade: quando o primeiro sobe, a segunda cai (e vice-versa). Já quando a demanda se encontra da raiz do processo a correlação entre preço e quantidade é positiva: observamos preços mais elevados enquanto a produção se expande, tipicamente com custos crescentes, devidos ao uso mais intenso de recursos menos produtivos.
Nossa experiência recente revela uma expansão simultânea de preços e quantidades no setor de alimentos. Exceção feita a café e arroz, houve expansão significativa da produção, sugerindo que dificilmente a raiz do aumento de preços poderia estar relacionada a problemas de oferta.
Neste momento, espero, alguns dos meus dezessete leitores já devem estar pensando que me esqueci do aumento de preços das commodities agrícolas, principal motivo para a pressão originada de produtos como leite (e seus derivados), carnes, etc. Obviamente não é o caso.
Acontece que o Brasil é, no mais das vezes, um exportador líquido destas commodities, ou seja, os termos de troca (a razão entre preços de exportação e importação) têm se tornado mais favoráveis ao país, caracterizando um aumento na demanda pelos produtos exportados pelo Brasil, que se expressa na expansão concomitante de preços e quantidades. Mesmo quando a origem do aumento de preços no mercado internacional é um choque de oferta global (o caso do leite), do ponto de vista dos produtores brasileiros este fenômeno é percebido como uma elevação da demanda, levando à elevação dos preços domésticos. Não há, pois, como compartilhar a visão mais relaxada acerca da elevação recente da inflação.
À luz disto deveria ficar claro também que políticas para lidar com choques de oferta não devem funcionar para conter a alta dos preços. Assim, uma redução das tarifas de importação de alimentos – muito efetiva quando a oferta doméstica se contrai – não deve reverter a trajetória de elevação destes preços. Vale dizer, a formulação de políticas públicas não pode dar as costas ao que dizem os dados e a teoria econômica, sob pena de erros que nos custarão mais caro num futuro não muito distante.
(Publicado 5/Set/2007)
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