A Transferência Imaculada
Economia

A Transferência Imaculada


Da superação dos efeitos da crise política de 2002 até a eclosão da crise de 2008 o Brasil viveu um momento bastante positivo. O PIB se expandiu à taxa de 4,7% ao ano por cinco anos, ritmo substancialmente superior ao de anos anteriores e mais próximo à expansão global. A diferença entre o crescimento médio mundial e o brasileiro, que chegara a quase 2% a.a em 2000, tornou-se levemente negativa no ano passado, mostrando que o desempenho do país não resultou apenas do impulso externo.

De fato, esta dinâmica se amparou na demanda interna, cujo crescimento superou o do produto já em 2005, atingindo uma velocidade de 5,5% a.a., sendo que o consumo aumentou 5% a.a., enquanto o investimento cresceu 10% a.a., deixando claro quais têm sido os motores do bom desempenho. O investimento, em particular, que caíra a pouco mais de 15% do PIB em 2003, agora representa algo como 18% do PIB, ainda baixo, é verdade, mas o progresso é nítido.

O crescimento no período não difere muito, pois, de qualquer estimativa decente da nossa capacidade de expansão sustentável, embora a demanda interna tenha conseguido superá-la consideravelmente. Obviamente a conta só fecha porque o Brasil é uma economia aberta, ainda que não muito aberta. A expansão da demanda interna acima da capacidade de crescimento da oferta doméstica tem sido coberta pelo aumento das importações em excesso às exportações, levando à redução das exportações líquidas, de 3% para 0,3% do PIB.

Não há dúvida que o consumo continuará sendo um dos motores da expansão, assim como não há quem acredite que o ritmo de gasto público (quase 4% a.a.) irá se reduzir. Dado, por fim, que, como desejamos, o investimento voltará a crescer, se possível ao ritmo dos últimos anos, é certo que a demanda doméstica seguirá como o fator que impulsiona a economia, voltando a se expandir a velocidade maior que o crescimento potencial.

Este desenvolvimento sugere que as importações seguirão crescendo mais rápido do que as exportações, pois de outra forma não haveria como satisfazer a expansão da demanda interna. Isto dito, a menos que alguém acredite no que John Williamson denominou Doutrina da Transferência Imaculada (qual seja, que alterações na demanda doméstica não têm qualquer impacto nos preços relativos), a conseqüência deste padrão de crescimento é uma taxa real de câmbio necessariamente mais apreciada. Não por outro motivo tenho afirmado que, se o objetivo é conviver com uma taxa de câmbio menos apreciada, o remédio consiste em reduzir o gasto público.

Suponhamos, porém, que seja possível evitar todo ingresso de capital estrangeiro no país, do investimento direto ao financiamento de comércio internacional, replicando – agora por vontade própria – os efeitos da crise de 2002. Por definição o país ficaria impossibilitado de gerar déficits externos e a taxa de câmbio se depreciaria. No entanto, vale a simetria: para manter o equilíbrio macroeconômico a demanda doméstica teria que se desacelerar para a mesma velocidade do produto potencial. Na ausência de ajuste fiscal, esta desaceleração teria que ocorrer pelo lado do gasto privado, tipicamente pelo aumento da taxa de juros.

Isto é, uma política de restrição ao capital externo conseguiria depreciar o câmbio, à custa, todavia, de juros reais mais elevados, queda no consumo e investimentos privados, e, portanto, redução da capacidade de crescimento. Em outras palavras, equivaleria a cortar o dedo para tirar uma unha encravada; tira, mas duvido que qualquer médico digno deste título recomende esta medida.

(Publicado 11/Nov/2009)



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