Economia
Uma política estéril
Foi anunciado na semana passada que o Fundo Soberano do Brasil (FSB) passaria a comprar dólares para evitar a valorização do real frente à moeda norte-americana. As chances de atingir seu objetivo, porém, parecem muito remotas, a começar porque o diagnóstico acerca da força recente do real que parece estar por trás desta decisão se afigura equivocado. De fato, a reação das autoridades à apreciação da moeda sugere que entendem este fenômeno como algo exclusivo do Brasil; no entanto, a mera observação do que se passa nos mercados um pouco além do umbigo local mostra que o enfraquecimento do dólar é um evento global.
A apreciação do real face ao dólar reflete, na verdade, a fraqueza deste último, resultante, em larga medida, da percepção que a economia americana passa por um momento difícil no que se refere ao crescimento. Assim, nas últimas semanas (e meses), praticamente todas as moedas relevantes ganharam terreno frente ao dólar.
O real, em particular, foi das que menos se fortaleceu, fato que transparece, por exemplo, no encarecimento local do euro (das vizinhanças de R$ 2,20/euro para R$ 2,30/euro), bem como das demais moedas dos países da OECD e vários países emergentes.Neste contexto, quem acha que o FSB pode conter a apreciação da moeda provavelmente também acredita que Noé precisava mesmo era de um guarda-chuva.
Entretanto, mais relevante do que isso é a semelhança entre a atuação do FSB e do Banco Central no mercado de câmbio, fato que sugere ceticismo adicional acerca da capacidade do FSB de impedir o declínio (local) do dólar.
O BC, quando compra dólares de um banco, faz o pagamento por meio de criação de moeda. Não se trata de imprimir novas notas e entregá-las ao banco que lhe tenha vendido a moeda estrangeira, mas sim de um depósito na conta de reservas bancárias que esta instituição tenha junto ao BC. Qualquer banco com excesso de reservas vai normalmente a mercado para repassar estes recursos para outra instituição, mas isto faria com que a taxa de juros a que os bancos trocam reservas bancárias (a afamada Selic) caísse relativamente à meta definida pelo BC na reunião do Copom.
Para evitar que isto ocorra, o BC compra de volta (“esteriliza”) o excesso de reservas, trocando-as por títulos federais, de modo a trazer a taxa Selic para sua meta. No final do processo, tudo se passa como se o BC tivesse trocado diretamente títulos por dólares, mantendo, portanto, inalterada a taxa de juros. Contudo, se a taxa de juros não se altera, a taxa de câmbio também deveria permanecer a mesma (supondo, é claro, que os demais determinantes da taxa de câmbio, como preço de commodities, ou risco-país, se mantenham constantes). Ou seja, a intervenção “esterilizada”, que não implica alteração da taxa de juros, não deve ter efeitos sobre a taxa de câmbio.
O FSB, porém, fará exatamente o mesmo que o BC, trocando títulos federais que lhe serão entregues pelo Tesouro Nacional por dólares, sem afetar a taxa de juros. Por que, então, deveria obter resultado diferente?
Afora isso, o agente responsável pelas compras do Tesouro será o próprio BC. Assim, dado o ingresso líquido de dólares, compras mais elevadas por parte do Tesouro implicam necessariamente compras menores por parte do BC, ou seja, mesmo se alguém quiser acreditar que intervenções “esterilizadas” poderiam ter algum impacto sobre o preço do dólar, faltaria ainda explicar como a mera troca do ente público que compra moeda estrangeira poderia alterar de forma persistente a trajetória do câmbio.
Ao final da história, não deixa de ser revelador que – a despeito de toda experiência acumulada desde 2004 – ainda se insista em estratégias que já se provaram ineficazes, enquanto um ajuste fiscal que permitiria reduzir a taxa de juros continua a ser ignorado. O que falta para que a lição seja aprendida?
(Publicad0 29/Set/2010)
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