Sobre a Guerra Fiscal
Economia

Sobre a Guerra Fiscal


Ao estudar a economia do setor público brasileira contemporânea, a problemática da guerra fiscal é um tema unânime, sempre presente no ponto de vista de autores das mais diversas posições ideológicas. Em princípio, a guerra fiscal entre os estados brasileiros é decorrente de um pacto federativo falho, baseado na concorrência predatória horizontal (isto é, entre unidades federadas de mesmo nível hierárquico), e pertence a um dado momento histórico nacional, a partir dos anos oitenta.

Em meados da década de setenta, o Brasil passou por sua última fase do antigo modelo de desenvolvimento “nacional-desenvolvimentista”, baseado na ação do Estado em intervenções diretas ou regulatórias na economia como modo de incentivar os investimentos privados. Essa última fase foi o II Plano Nacional de Desenvolvimento, elaborado pelo presidente Gen. Ernesto Geisel, voltado para a substituição de importações de bens de capital e de consumo intermediário na produção industrial, visando dar um ritmo de desenvolvimento à economia brasileira autônomo em relação aos choques externos (por exemplo, os choques do petróleo, em 1973 e 1979). Em relação à federação brasileira, o II PND provocou uma significativa mudança, a qual foi em relação à área-alvo dos investimentos públicos, que passou da região Sudeste brasileira para os estados periféricos. Essa mudança de área dos investimentos federais teve como motivos principais a preocupação do governo federal em reforçar suas alianças políticas com os líderes dos estados periféricos (uma vez que os estados mais desenvolvidos do Brasil caíram nas mãos da oposição, nas eleições de 1974), e a indisposição do capital privado nacional, concentrado no Sudeste, em apoiar novos investimentos, em clara função do choque do petróleo de 1973.

Com a redemocratização nos anos 80 e os ajustes fiscais dos anos 80 e 90, os investimentos públicos no Brasil foram seriamente restringidos, como forma de combater o déficit fiscal e a inflação. Até aqui, tudo bem, já que a inflação brasileira, graças ao seu caráter inercial, chegou a níveis grotescos no final dos anos oitenta, provocando a retração dos investimentos privados (dado o grau de instabilidade econômica), a concentração de renda e a evaporação dos saldos reais de poupança monetária dos cidadãos. O problema é que, agora sem uma política de desenvolvimento regional patrocinada pelo governo federal, criou-se um vácuo institucional que contrabalanceasse a tendência à concentração das atividades econômicas no Sudeste (no estado de São Paulo especificamente), que, graças ao seu potencial de economias externas e internas às indústrias, tendem a atrair boa parte dos investimentos privados realizados no país.

Assim, os governos estaduais passam a competir entre si para atrair investimentos privados para seus respectivos estados, usando instrumentos como incentivos fiscais e concessões financeiras, pensando apenas nas externalidades positivas que os investimentos no setor produtivo possam trazer às suas economias. Porém, tais instrumentos de guerra fiscal são bastante criticados sob o ponto de vista ético, uma vez que significam o desvio de recursos públicos para beneficiar o capital privado, em detrimento das demandas, atuais ou futuras, da população dos estados.

Na verdade, a própria eficiência da guerra fiscal em atrair investimentos para os estados periféricos de federação tende a deteriorar no longo prazo. Pois, os estados mais desenvolvidos podem dar o troco, isto é, conceder os mesmos incentivos ao capital privado, igualando os benefícios ao capital privado em nível nacional. A partir daí, as decisões privadas sobre os investimentos voltarão ao básico: os investidores preferirão áreas com melhor infra-estrutura e com boa dotação de capital humano, ou seja, com potenciais de economias internas e externas. Como os incentivos fiscais reduzem a capacidade financeira dos estados menos desenvolvidos, os mesmos terão menos recursos para investir nessas áreas, estando, portanto, fadados a perder a guerra.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a competição predatória entre as unidades federativas nacionais é altamente indesejável para o desenvolvimento nacional. Pois, estados não podem ser relacionados com empresas de uma indústria; para essas, o mecanismo de mercado e de concorrência, ao eliminar os agentes produtivos mais fracos, promove a eficiência setorial. No caso de estados e municípios, a concorrência leva a sobreposição dos mais forte economicamente aos mais fracos, mas como não podem desaparecer, como as empresas, os custos de sua ineficiência são transferidos integralmente para a população e para a União, pois esses estados se tornam dependentes das transferências federais compensatórias.

Por outro lado, os próprios instrumentos utilizados pelos governos estaduais na guerra fiscal são falhos: incentivos fiscais e concessões financeiras para empresas privadas são mecanismos de intervenção na atividade econômica obsoletos, não só porque contraria os princípios básicos do espírito empreendedor, provocando ineficiência econômica, como se tornam mecanismos visivelmente concentradores de renda, uma vez que os recursos da população vindo dos tributos acabam nas mãos privadas.

A concorrência intergovernamental pode ser útil sim para trazer eficiência à economia regional (e, por conseqüência, nacional). Porém, necessita-se de arranjos competitivos saudáveis, e não predatórios, tais como o uso de recursos públicos para cada estado criar um ambiente econômico e social favorável para investimentos e negócios (estabilidade, infra-estrutura e recursos humanos), que promovam ao mesmo tempo eficiência econômica e satisfação das necessidades sociais. Porém, isso implica em investimentos de longo prazo realizados pelo setor público brasileiro. Para frear tentações predatórias de intervenção econômica de curto prazo realizadas pelos governos estaduais, é recomendável entrar em um terreno espinhoso da estrutura institucional e tributária nacional: a unificação nacional da alíquota do ICMS, o principal imposto estadual brasileiro.



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