Receitas para crises financeiras: o caso Subprime
Economia

Receitas para crises financeiras: o caso Subprime


Por Ederson Vieira Grandi

Com base no método de análise de Mynski, visto no texto anterior, a fragilidade financeira é a base para uma crise. Ela pode ser originada por dívidas geradas por investimentos efetivados através de financiamentos. Inicia-se quando a atividade econômica decresce, e com ela a receita das empresas (já endividadas) ou o custo da dívida aumenta repentinamente, através de uma política monetária restritiva. No final, a empresa não consegue amortizar seus empréstimos, renegociações de dívidas passam a ser negadas e a bolha explode. Também ocorre, em nível internacional, quando há déficit comercial: as empresas estarão investindo e demandando divisas acima do que possuem, pelas exportações realizadas. As empresas não financiarão toda esta necessidade de divisa por meio de investimentos externos, mas também por meio de dívida externa de diversos prazos de maturação. A estrutura das contas externas do país passa a se deteriorar, e a seqüência de fatos pode ser similar ao descrito anteriormente, como na década de 1980, uma elevação da taxa de juros externa e o sistema entra em colapso.

Um terceiro meio, puramente especulativo, é iniciado através do desejo de obter maiores ganhos. Nos EUA, o FED atuou entre 2001 e 2003 uma política de redução brusca da taxa básica de juros, a níveis reais negativos. Taxas similares foram registradas anteriormente apenas na década de 1950. O objetivo era o favorecimento do mercado de capitais, com a dispersão dos investidores dos títulos públicos a este mercado. Porém não foi realizada a devido monitoramento e tomados os devidos cuidados com a possível criação de uma “bolha especulativa” (que poderia nascer de qualquer ativo na economia), que já era sinalizada por um mercado em específico: o imobiliário.

Os emprestadores, devido à ausência de regulações, começaram a fornecer crédito a pessoas com histórico de inadimplência, pois a taxa de juros dos mesmos era maior que a dos títulos públicos e renda fixa, e o risco menor que o de títulos de renda variável. O mercado hipotecário de baixa qualidade, denominado sub-prime, era uma opção à renda fixa e variável. A participação do sub-prime no mercado de crédito hipotecário americano chegou ao patamar de 15%, em 2007. As dívidas passaram a ser securitizadas e estes títulos, passaram a ser adquiridos por bancos e fundos de investimento, inclusive de outros países do mundo, gerando uma ligação a nível internacional com o mercado sub-prime.

Do lado dos tomadores de empréstimos, tratava-se de uma oportunidade as taxas de juros caindo. Renegociavam seus empréstimos com ganhos: sobrava recursos que eram gastos em consumo. O consumo dos EUA cresceu de US$ 213,5 bi, em 1998, para US$ 738,6 bi, em 2007. os empréstimos eram na modalidade de 3/27 ou 2/28. No primeiro caso, e.g., correspondia a três anos de prestações baixas e juros fixos, seguidos por vinte e sete anos de prestações mais altas (visto que as prestações baixas nos primeiros anos fizeram o saldo devedor total não ter se reduzido muito) e juros variáveis. Com taxas de juros em baixa, juros variáveis pareciam atrativos. Ademais, vencidos os três primeiros anos, buscava se renegociar a dívida para novamente entrar no plano de três anos de prestações baratas. Esta foi a fase do deslocamento, euforia. Este mercado impulsionou a aquisição de imóveis e com ela, os preços destes. O consumo, emprego, preços de ações das empresas de construção cresceram juntamente. Os títulos da dívida destes empréstimos consistiam, aparentemente, em uma boa opção de investimento. Ocorria a mania especulativa.

Porém o FED passou a aumentar as taxas de juros, a partir de 2004, frente às crises internacionais. O módulo de prestações altas e juros variáveis era pesado demais. Renegociar a dívida com as taxas subindo dificultavam a adimplência dos mutuários. Era só contar: iniciou-se o processo em 2001: duas vezes em que os mutuários tentassem aproveitar uma renegociação, de modo a aproveitar as taxas fixas (porém agora mais altas, o que tornou o custo da dívida pesado, frente às receitas dos mutuários), são seis anos. A crise se deu em 2007. Coincidência?

Em agosto de 2007 detectada uma alta taxa de inadimplência no mercado sub-prime. Em 09 de agosto do mesmo ano, o banco francês BNP Paribas, um dos principais da região, havia congelado os saques de seus fundos de investimentos que tinham recursos aplicados em créditos gerados a partir de operações hipotecárias nos EUA: foi o estopim da crise, a bolha explodiu e se inicia a reação violenta. O mercado já monitorava a tempos o histórico de inadimplência deste segmento de crédito. Porém, agora a inadimplência superou as expectativas. Com o contágio de caixa, empresa após empresa passou a relatar problemas de liquidez.

O problema de liquidez, nas instituições financeiras, que precisavam reaver recursos obtidos da venda dos títulos de dívidas do mercado sub-prime, além de não contar com considerável montante de receitas devido à inadimplência neste setor, foram atacados pelo contágio de expectativas de seus depositantes. As pessoas pensando que os bancos iriam quebrar correram a reaver seu dinheiro, gerando uma expectativa auto-realizável: achavam que os bancos iriam quebrar e agiram de modo a provocar tal fato. Este pânico é o que se denomina de crise financeira, i.e., uma corrida por liquidez.

Para uma vítima de corte, antes da transfusão, deve-se fechar o corte, ou qualquer ação corretiva será infrutífera. O primeiro passo, nestas crises, é impedir que novas ocorram: deve-se regulamentar o mercado onde iniciou o boom. Em seguida, deve-se eliminar o contágio de expectativas. Para isto, deve um emprestador de ultima instancia sinalizar aos agentes econômicos que haverá liquidez para todos, impedindo a continuidade da corrida por liquidez. Esta corrida acaba por gerar contágios de caixa, afetando o sistema por inteiro. Este cuidado inclui não permitir a quebra de instituições financeiras, o que alimentaria a crise (corrida por liquidez). Faz-se importante a atitude do Tesouro em socorrer as instituições ligadas ao sub-prime à beira de quebra.

Como a crise se propaga por contágio de expectativas, e o Brasil possui elevadas reservas cambiais, não há temor de falta de liquidez no mesmo. O contágio de caixa é a única preocupação, mas os negócios do Brasil com os EUA, no qual algum agente econômico do primeiro seja credor de algum do segundo, são muito poucos. A crise poderá chegar no Brasil por meio do baixo nível de crescimento do PIB mundial, o que tende-se a ampliar com uma política monetária restritiva, como a que o país atualmente pratica.
Na próxima semana, trataremos de duas medidas de restrição do crescimento do país, sendo uma delas devido à relação da elasticidade-renda das exportações e a taxa de crescimento do PIB mundial. Desta forma, analisaremos os impactos do baixo crescimento mundial sobre o crescimento brasileiro.



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