Por uma redução permanente da Selic.
Economia

Por uma redução permanente da Selic.



José Luis Oreiro, professor do Departamento de Economia da UnB e pesquisador Nível 1 do CNPq e Flávio Basílio, professor do Departamento de Economia da UnB, escreveu este artigo especialmente para o Valor Econômico.

A temática da taxa de juros tem despertado no Brasil paixões similares às que se observam num jogo de futebol. Podemos identificar claramente dois times na disputa, os "Falcões", que desejam que o Banco Central (BC) eleve a taxa de juros em qualquer circunstância e os "Pombos" que gritam pela redução da taxa de juros, igualmente em qualquer circunstância. Ai de quem tentar se posicionar nesse debate de forma menos "apaixonada", procurando usar a razão, o bom-senso, a prudência e a teoria econômica para formar sua opinião a respeito de qual deve ser o curso desejado da política monetária. Quem o fizer corre o risco de ser mandado para a fogueira, sem direito a apelação, por ambos os times do campeonato da Selic.

Não há dúvida que a taxa de juros deveria ser muito mais baixa do que é hoje para reverter a apreciação da taxa de câmbio, que está matando a indústria brasileira e tirando dinamismo de nossa economia, que deve fechar o ano de 2011 com um crescimento próximo de 3%. Por que a taxa de juros no Brasil é tão alta? A literatura sobre o tema no Brasil aponta as seguintes causas:

1) Elevado grau de inércia inflacionária devido à permanência de mecanismos formais de indexação de preços, principalmente no caso dos preços administrados. Quanto maior o grau de inércia inflacionária maior é a dosagem de taxa de juros requerida para fazer com que a inflação convirja para a meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

2) Baixa eficácia da política monetária devido à existência de uma parcela considerável de títulos da dívida pública que são indexados à taxa básica de juros (LFTs). Essa indexação reduz o efeito riqueza da elevação da taxa de juros, aumentando a dosagem de taxa de juros requerida para garantir a obtenção da meta de inflação.

3) Mix inadequado entre a política monetária e fiscal, uma vez que a política fiscal no Brasil (ao menos desde 2008) tem sido francamente expansionista em função do crescimento dos gastos primários do governo a uma taxa superior a do crescimento do PIB, o que obriga a política monetária a ser contracionista para evitar um crescimento excessivo da demanda agregada, a qual impediria a obtenção da meta de inflação.

4) Rigidez excessiva do regime de metas de inflação, o qual se baseou na sistemática de metas declinantes de inflação (até 2005) e na convergência da inflação para a meta ao longo do ano calendário (até 2010). A imposição de metas declinantes obrigava o BC a manter a economia em estado de permanente semiestagnação para forçar assim uma elevação do hiato do produto, a qual permitiria uma queda gradual da inflação ao longo do tempo. A convergência para a meta ao longo do ano calendário reduzia o espaço de manobra para o BC acomodar choques de oferta, obrigando a autoridade monetária a elevar os juros mesmo face à pressões inflacionárias vindas do lado da oferta da economia.

5) Fragilidade financeira do Estado brasileiro devido ao reduzido prazo de maturidade da dívida pública, a qual vence num prazo médio inferior a 40 meses. Os elevados pagamentos de juros e amortizações da dívida pública aumentam o poder de barganha dos demandantes de títulos, os quais podem exigir prêmios de juros mais altos por parte do Tesouro. Em função da indexação da dívida pela Selic, a política monetária é contaminada pela dívida pública, fazendo com que a taxa de juros que o Tesouro paga pelos títulos da dívida pública determine a taxa de juros usada no dia a dia pelo BC para a regulação da liquidez da economia no mercado inter-bancário.

Isto posto, podemos dizer que o Brasil já reúne as condições necessárias para ter uma taxa de juros real de, digamos, 2%? Infelizmente a resposta para essa pergunta é não.

Nos últimos anos avançamos em apenas duas frentes, quais sejam, a flexibilização do regime de metas de inflação e a redução da parcela da dívida pública indexada a Selic. Graças a isso, a taxa real de juros foi reduzida de aproximadamente 10% ao ano em 2006 para algo como 5% a 6% no final de 2010. Contudo, em outras frentes recuamos como, por exemplo, na questão da inércia inflacionária. O salário mínimo é agora formalmente indexado pela inflação passada. O aumento da indexação formal da economia brasileira atua na direção contrária à queda dos juros.

Outra frente na qual recuamos foi o mix de política macroeconômica. Desde 2008, a política fiscal tem sido francamente expansionista, o que reduz o espaço de manobra para o BC reduzir a taxa de juros sem comprometer a estabilidade da taxa de inflação. O pior é que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) para 2012 aponta para um crescimento de 15,9% dos gastos primários do governo federal, contra uma projeção de crescimento de apenas 11,9% do PIB nominal. A política fiscal em 2012, ao contrário de 2011, será francamente expansionista, o que reduz ainda mais o espaço que o BC tem para reduzir os juros de maneira a não por em risco a estabilidade da taxa de inflação.

A fragilidade financeira do Estado brasileiro continua inalterada em função da incapacidade que o Tesouro tem demonstrado em alongar o prazo de vencimento da dívida pública, assim como eliminar a participação, ainda expressiva, das letras financeiras do Tesouro na composição da dívida pública federal.

Se o governo da presidente Dilma deseja realmente reduzir os juros no Brasil, sem comprometer a estabilidade da taxa de inflação, então o mesmo deve apresentar a sociedade brasileira um plano detalhado e consistente para eliminar as causas estruturais dos juros elevados no Brasil. Isso envolve uma radical desindexação da economia brasileira (incluindo preços administrados e salário mínimo), extinção dos títulos da dívida pública atrelados à Selic e mudança de verdade no mix de política macroeconômica com o estabelecimento de um teto para a taxa nominal de crescimento dos gastos de consumo e de custeio da administração pública em nível inferior ao crescimento projetado do PIB nominal. Até o presente momento o governo da presidente Dilma nada fez nesse sentido. As causas estruturais para os juros altos no Brasil continuam, portanto, intactas.



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