Economia
Non ducor, duco
O Ministro da Fazenda anunciou que modificará a contabilidade do setor público. Fiel ao seu estilo, as intenções de mudanças foram anunciadas antes que algo de concreto pudesse ser mostrado, mas, aparentemente, há a intenção de migrar do atual regime de metas para o superávit primário (que desconsidera os juros sobre a dívida pública), para um regime de metas para as contas fiscais como um todo.
Não que isto em si requeira qualquer alteração de monta na contabilidade pública. Como todo analista informado sabe, o Banco Central publica a cada mês o resultado consolidado do governo, mostrando não só o balanço primário, mas também as contas de juros, a evolução da dívida, sua composição e uma imensidão de detalhes. O que queremos saber acerca das contas públicas já está devidamente divulgado.
Mais importante que a alteração da contabilidade é o anúncio da intenção de zerar o déficit público num horizonte relativamente curto. Há duas formas de chegarmos a este resultado, uma consistente com a manutenção da inflação em torno da trajetória de metas e a outra não.
Caso a política de déficit zero não implique alterações no superávit primário, o Banco Central passaria a enfrentar limites no que se refere às decisões de política monetária. Concretamente a taxa de juros não poderia ultrapassar a razão entre o superávit primário e a dívida pública, o que – à luz dos números mais recentes – colocaria a taxa
máxima de juros no Brasil num patamar próximo a 11%.
Dado o comportamento recente das taxas de juros e da inflação, há fortes razões para desconfiar que a taxa de juros limitada a 11% não conseguiria entregar a inflação na meta. Aliás, mesmo que o fizesse em determinadas circunstâncias, o estabelecimento de tetos para a taxa de juros impediria o BC de enfrentar eventuais choques mais sérios, o que levaria as expectativas de inflação a se consolidarem acima da meta. Portanto, déficit zero atingido por constrangimentos à política monetária não é consistente com a manutenção da inflação próxima à meta, situação que em “economês” se denomina “dominância fiscal”.
No entanto, se a política de déficit zero implicar um compromisso de contrabalançar aumentos do custo da dívida pública por meio de alterações do superávit primário as conclusões mudam radicalmente. Em primeiro lugar, à medida que a política fiscal passe a se mover em linha com a política monetária, pode-se esperar – em caso de choques que elevem a inflação – uma elevação de juros menor do que se verificaria sob o regime atual, já que o aperto fiscal compensatório reduziria o fardo da política monetária. Este regime implicaria, pois, uma redução da
volatilidade das taxas de juros.
Além disto, como partimos de uma situação de déficit (hoje pouco inferior a 2% do PIB), o aperto fiscal deve implicar uma taxa de juros
inferior à que seria observada sob o regime atual. Em outras palavras, o país seria capaz de manter o mesmo comportamento da inflação com taxas de juros mais baixas desde que a política fiscal se alinhe à política monetária (e não o contrário).
Cabe notar ainda que a transição entre esses regimes fiscais requer duas condições que, felizmente, parecem existir no Brasil. Nem a dívida pública é tão elevada que leve a movimentos exagerados de política fiscal, nem a eficiência da política monetária é baixa a ponto de levar ao mesmo exagero em termos de alterações de taxas de juros.
Só resta saber quem conduzirá e quem será conduzido. Com a palavra, a Fazenda.
(Publicado 3/Set/2008)
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