Economia
O reverso da fortuna
Alavancagem, em que pese a complexidade associada ao termo, é um fenômeno comum no mercado financeiro e não tão difícil de entender. Imagine, por exemplo, alguém que possua R$ 100 e os invista em algo que renda R$ 10 por ano (um retorno de 10%). Caso possa tomar recursos emprestados a, digamos, 5% ao ano, ela pode multiplicar (“alavancar”) seu retorno. Tomando R$ 100 por empréstimo e investindo no mesmo ativo que rende 10% ao ano, obterá R$ 20 (10% sobre R$ 200) menos os R$ 5 que deverá pagar de juros sobre os R$ 100 emprestados, ou seja, R$ 15. Agora, para o mesmo capital de R$ 100, seu retorno é de 15% ao ano.
Também não é complicado concluir que, quanto maior for a alavancagem, tanto maior será o retorno sobre o capital. No mesmo exemplo acima, se, ao invés de tomar R$ 100 emprestados, nossa investidora tomasse R$ 900, obteria R$ 100 por ano (10% sobre R$ 1.000) e, deduzindo o juro sobre o empréstimo (R$ 45), ficaria com R$ 55, um retorno de 55% (!) sobre seu capital original. Obviamente, o risco também cresce com a alavancagem: no caso em questão, uma perda de 10% no valor do ativo deixaria nossa investidora sem um centavo para contar a história. Resumindo, a alavancagem é um instrumento que eleva tanto o retorno como o risco do investimento.
Peço agora ao leitor que imagine um caso paradoxal: o que ocorreria se o rendimento do ativo fosse inferior ao custo dos empréstimos tomados para alavancar o investimento? Para facilitar, suponha que o retorno do ativo seja zero. Nesse caso, se a investidora tomou R$ 200 emprestados a um juro de 5%, no final do ano ela teria que pagar R$ 10, isto é, obteria um retorno negativo de 10% sobre seu capital de R$ 100. E, quanto mais alavancasse, tanto mais negativo se tornaria seu retorno, enquanto seu risco continuaria a crescer.
Este caso, contudo, deveria ser mera curiosidade acadêmica. Afinal de contas, quem, em sã consciência, tomaria recursos para aplicá-los numa taxa mais baixa do que originalmente custaram? A resposta, leitor, é o Tesouro Nacional, o gestor – na descrição precisa de Armínio Fraga – do meu, do seu, do nosso dinheiro.
Em nome de uma política dita anticíclica o Tesouro Nacional emprestou no último ano e meio R$ 180 bilhões de reais para o BNDES a taxas consideravelmente inferiores às que paga para tomar estes recursos, trazendo o estoque de créditos junto àquela instituição para a marca de R$ 377 bilhões (12% do PIB), incluindo nesta conta os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. O grosso destes créditos (R$ 299 bilhões) está indexado à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 6% ao ano, enquanto a taxa básica de juros (Selic), que baliza o custo dos títulos da dívida do governo, é de 10,5% ao ano.
Como sugerido pelo último exemplo, esta política implica elevação do custo médio da dívida líquida. Aliás, este efeito foi tão forte a partir do final de 2008 que, a despeito da queda de 5 pontos percentuais da Selic de janeiro a julho de 2009, o custo médio da dívida aumentou. Posto de outra forma, entre 2004 e 2007 o custo médio da dívida e a Selic andavam em linha (a correlação entre estas séries era de 90%); já entre 2008 e 2010 o primeiro subiu, refletindo o poder da alavancagem, a despeito da queda da Selic (a correlação se tornou negativa, -62%).
Seria ótimo que esta correlação permanecesse negativa com a Selic em alta, mas isto só aconteceria se os créditos ao BNDES fossem retirados à medida que a Selic subisse (caracterizando de fato uma política contracíclica). Como isto não ocorrerá, a alavancagem descrita no início do artigo opera contra nós, pois o custo da dívida subirá mais do que o aumento da Selic, num contexto de risco mais elevado, ou seja, uma monumental transferência de renda para setores privilegiados. Para meros mortais sobra apenas o reverso da fortuna.
(Publicado 21/Jul/2010)
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