Economia
A mulher barbada e o incrível contorcionista econômico
Quanto vale uma ação? Deixando de lado a resposta cínica (“vale o que alguém estiver disposto a pagar por ela”), considere o seguinte. Uma alternativa de investimento à ação é um título público que paga certa taxa de juros ao longo de dado período. Caso a ação e o título público sejam igualmente arriscados, a única justificativa para alguém comprar tal ação seria esperar que seu retorno, dado pelo fluxo de lucros a que tem direito, equivalesse, no mínimo, àquele que se pode obter do título público.
A ação é, porém, mais arriscada que o título público. Enquanto esse paga um fluxo conhecido de juros e ao final da sua vida (espera-se) retorna o capital ao investidor, os fluxos de lucro de uma ação são incertos e, em geral, a ação não é resgatada pelo seu emissor original. Para obter seu capital de volta, o investidor precisa vendê-la no mercado, processo também sujeito a riscos. Sendo assim, é natural que o retorno da ação, ainda que balizado pela taxa de juros, tenha que ser superior a esta. Desta forma, o preço da ação é aquele que, dada a expectativa de lucros futuros, gera um retorno equivalente à taxa de juros mais o prêmio de risco.
Vale notar que o raciocínio descrito acima também explica a decisão de investimento de uma empresa. Um projeto só será realizado caso seu retorno equivalha à taxa de juros devidamente corrigida pelo risco. Tal semelhança, aliás, sugere que as decisões de compra de ações e investimento empresarial estejam intimamente ligadas, como realmente estão. Uma empresa contemplando um programa de expansão escolhe entre comprar outra empresa ou criar ela própria a capacidade adicional por meio de investimento. Assim, quando os preços das ações sobem, o investimento se torna a alternativa mais interessante e vice-versa.
Caso algum leitor tenha sobrevivido aos parágrafos iniciais deve estar se perguntando aonde quero chegar. A resposta é simples.
Não faltou quem, no início de 2007, augurasse um ano de crescimento medíocre, com direito a pragas bíblicas e o sucateamento da indústria nacional devidos às taxas de juros. Agora, com o forte crescimento do PIB e do investimento, os mesmos que se enganaram tentam justificar seu erro perpetrando novas formas de contorcionismo econômico.
Uma delas sugere que o setor privado teria “contornado” a taxa de juros doméstica pela emissão de ações ou debêntures e assim obtido o capital mais barato para financiar sua expansão. No entanto, não é difícil concluir que tal explicação não faz qualquer sentido, pois, à luz do exposto acima, o custo do capital está irremediavelmente atrelado à taxa de juros, isto é, a tese não é consistente com o bê-á-bá da teoria financeira.
De fato serve apenas para tentar ocultar o erro das cassandras desenvolvimentistas, mas não evita uma conclusão simples: no Brasil taxas de juros que levariam outros países a depressões épicas são consistentes com um ritmo acelerado de expansão da demanda doméstica, o que justifica a cautela com que o BC conduziu o processo de redução da taxa de juros. Em outras palavras, não é verdade que o crescimento ocorreu
apesar da taxa de juros; ele
resultou da taxa de juros. Ignorar este fenômeno pode ser cômodo, mas, como vimos, só produz má análise econômica.
P.S. Havia prometido, desde meu último artigo, pegar mais leve com os desenvolvimentistas, mas – a exemplo de outros – a obrigação só valia para 2007...
(Publicado 8/Jan/2008)
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