Comentário a Oreiro e de Paula - 3
Economia

Comentário a Oreiro e de Paula - 3


A questão fiscal nos traz para a tese dos autores acerca do motivo por trás das elevadas taxas de juros no Brasil. Segundo eles, 

a razão fundamental para a persistência de um juro real tão elevado deve-se, em parte, ao fato de que nosso país é o único no mundo onde o mercado monetário e o mercado de dívida pública estão conectados por intermédio das chamadas Letras Financeiras do Tesouro.

Como  

“a fragilidade ainda remanescente das contas públicas brasileiras acaba por fazer com que a taxa de juros requerida pelo mercado para a rolagem da dívida pública seja excessivamente alta” e “a taxa Selic é obrigada a cumprir duas funções: ela é a taxa de juros que regula os empréstimos no mercado interbancário, ao mesmo tempo é a taxa pela qual o Tesouro rola uma parte significativa da dívida pública” então “a função de instrumento de política monetária acaba sendo contaminada pela função de rolagem da dívida pública federal”.

Em outras palavras, o problema estaria nas LFTs. As taxas de juros muito altas requeridas para rolar a dívida forçariam as taxas de juros de curtíssimo prazo serem muito altas também. Já as taxas longas de juros não seriam um problema, pois: 

o contrato de DI futuro/swaps com vencimento em julho de 2014 estava pagando um juro real ex-ante de 7,4% ao ano no dia 14/06/2011. Trata-se de um juro elevado, mas não absurdo na comparação com outros países em desenvolvimento.

Quanto a este último ponto, o “O” já comentou, mas acho curioso que um juro real de quase 7,5% ao ano por 3 anos não seja considerado absurdo. Será que nossos “keynesianos de quermesse” são também rentistas que não ousam dizer seu nome?

De qualquer forma, se o argumento estivesse correto, o problema seria sanado pela separação do mercado monetário do mercado de dívida pública. Em outras palavras, pela eliminação das LFTs e a conversão da dívida toda em papéis prefixados. Este argumento está, contudo, errado, pois ignora como se dá a relação entre juros de curto prazo e juros de longo prazo. Faço aqui uma breve digressão sobre o assunto.

Comecemos por um mundo simples, de dois períodos, sem incerteza. Imagine que haja dois ativos: um título de um ano e um título de 2 anos. Digamos que se saiba que a taxa de juros será de 5% no primeiro período e 3% no segundo. Assim, quem aplicar no título curto a 5% hoje receberá seu dinheiro no começo do segundo ano e irá reaplicá-lo a 3%. Seu rendimento total deverá ser 8,15% por dois anos [1,05 x 1,03 – 1], ou seja, o equivalente a 4% ao ano [(1,05 x 1,03)^(1/2)-1].

Neste caso, é claro que o papel de dois anos tem que pagar 4% ao ano. Se pagar mais do que isso permite arbitragem: agentes poderiam tomar recursos por um ano, renovar o empréstimo pelo segundo ano e embolsar a diferença; se pagar menos, fariam a operação inversa (tomariam dinheiro por dois anos e aplicariam nas taxas curtas). Em outras palavras, a taxa de juros longa, sob as condições acima descritas, nada mais é do que a composição das taxas curtas.

Este raciocínio segue sendo a base do apreçamento de taxas de juros, mas, sob incerteza, surgem complicações adicionais. Se conhecemos a taxa curta de juros hoje, mas não a do segundo ano, deve surgir um prêmio de risco na taxa longa. Da mesma forma, se não houver certeza dos agentes acerca de sua capacidade de rolar os recursos tomados para o segundo período, eles só farão a arbitragem acima descrita se a taxa longa incorporar um rendimento adicional para compensá-los pelo risco de não conseguirem obter recursos no segundo período para continuar a arbitragem.

Isto sugere que, mesmo sob a expectativa de manutenção das taxas curtas de juros, a curva de juro apresenta tipicamente inclinação positiva. Posto de outra forma, sob incerteza, títulos de diferentes maturidades (ou, mais precisamente, duração distinta) não são substitutos perfeitos.

Encerrada, por enquanto, esta digressão, voltemos ao argumento. Pelo que vimos acima, o mercado monetário e o mercado de dívida pública devem estar umbilicalmente ligados, seja no Brasil, seja nos EUA, seja em qualquer ponto do Quadrante Alfa da galáxia, pela simples razão que, na base da formação da taxa longa de juros há a composição das taxas curtas corrente e esperadas, isto é, a trajetória de política monetária afeta toda estrutura a termo. Atribuir a conexão do mercado monetário ao mercado de dívida à existência da LFTs é tomar forma (LFT) pelo conteúdo (a arbitragem das taxas longas e curtas).

Não se segue, portanto, que mudanças na duração da dívida pública tenham o condão de mudar a taxa de juros de curto prazo, pelo menos não pelos motivos expostos pelos autores.

Numa situação ideal, em que títulos de duração distinta sejam substitutos perfeitos, deixar de emitir títulos curtos e só emitir longos não afeta a taxa de juros. Já numa situação de incerteza, a emissão de títulos adicionais de prazo longo obrigaria uma elevação da taxa de juros longa relativamente à curta (a inclinação da curva de rendimento ficaria mais positiva), refletindo a elevação do prêmio de risco para convencer os agentes a aumentarem a participação de títulos longos em suas carteiras.

Entretanto, será que a elevação da taxa longa teria efeitos contracionistas sobre a demanda, permitindo assim a queda da taxa curta? A resposta é negativa. 

O aumento do prêmio apenas compensa a elevação da participação do papel longo na carteira, isto é, trata-se de uma discussão sobre a distribuição dos ativos, já condicionada à decisão poupança-consumo. Posto de outra forma, a taxa longa de juros ainda é equivalente à composição das taxas curtas mais um prêmio que apenas compensa o investidor pelo risco, sem alterar sua decisão de consumo. O resultado seria apenas uma elevação do custo (não ajustado a risco) da dívida pública.
long interest rates would not be a problem



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