O choque é nosso
Economia

O choque é nosso


Não, o título deste artigo não clama pela estatização do setor elétrico. Assim, se há quem tema pela minha conversão ao “desenvolvimentismo”, pode suspirar aliviado. O assunto de hoje é – como não poderia deixar de ser – a meta de inflação. Não é segredo que achei a decisão de manutenção da meta em 4,5% equivocada, mas, se a decisão em si foi um erro, seu anúncio conseguiu ser ainda pior e manifestações posteriores chegaram ao impensável, ao adicionar ainda mais ruído a um processo já barulhento.

O anúncio da meta para 2009 (4,5%, porém permitindo ao BC buscar um número mais baixo, desde que as condições macroeconômicas permitam e a Lua se alinhe a Escorpião, mas apenas se a migração das borboletas birmanesas não for prejudicada pela menstruação das lhamas) criou certa confusão acerca do objetivo de política monetária. O BC buscará 4,5% de inflação? 4%? Outro número? Quem souber a resposta ganha as obras completas do ministro da Fazenda sobre política monetária, ainda não coloridas.

Esta não é uma questão menor. Em meu artigo anterior chamei a atenção para a ênfase que BCs dão às expectativas inflacionárias na condução da política monetária. Quando as expectativas estão alinhadas aos objetivos do BC a gestão de política torna-se muito menos penosa: menor esforço em termos de redução de demanda basta para trazer a inflação para baixo e, quando a economia entra em recessão, o BC ganha graus de liberdade para recuperá-la sem prejuízo à sua credibilidade, como demonstrou o Fed entre 2001 e 2003.

A essência, portanto, do regime de metas para a inflação consiste em convencer a sociedade que a inflação flutuará ao redor da meta para que os benefícios da credibilidade se materializem. É óbvio que, para persuadir a sociedade deste compromisso, não basta anunciar uma meta. Pelo contrário, é ao longo de anos de funcionamento do regime que o BC estabelece sua reputação: caso entregue taxas de inflação sistematicamente acima (abaixo) da meta as expectativas hão de se cristalizar também acima (abaixo) da meta; caso, porém, a inflação oscile ao redor da meta, sem desvios sistemáticos em qualquer sentido, passa a ser ótimo, do ponto de vista dos agentes privados, esperar que a inflação fique próxima à meta.

Isto dito, se o anúncio da meta não é condição suficiente para o bom funcionamento do regime, certamente é condição necessária, pois, sem uma referência numérica, fica bastante difícil para a sociedade entender o que o BC está perseguindo. Não basta, por exemplo, dizer que o BC busca uma inflação entre 2,5% e 6,5%. Seria como tentar convencer o guarda que o excesso de velocidade em relação ao limite de 60 km/h se deve à estratégia de manter o carro entre 20 km/h e 100 km/h. Sem tal referência não há como a sociedade avaliar o compromisso do BC e, portanto, se perde a âncora das expectativas. É fundamental entender que não há “centro da meta”: a meta é o “centro”; o intervalo serve apenas para acomodar choques imprevistos.

Assim, é necessário o BC explicitar o objetivo numérico que perseguirá, de modo que a sociedade possa formar suas expectativas. Falta de clareza sobre este tópico agora apenas contribuirá para erodir a ancoragem das expectativas, puxando a inflação para cima. Quando isto acontecer não há de faltar quem atribua tal desempenho a “choques externos” ou à divina providência, mas, não, desta vez o “choque” será nosso.
(Publicado 11/Jul/2007)



loading...

- Borboletas Birmanesas E Meta De Inflação No Brasil
Qual a meta de inflação estabelecida pelo governo para 2009? Alexandre Schwartzman tenta esclarecer esta questão em sua coluna na edição de hoje da Folha de São Paulo: "O anúncio da meta de inflação para 2009 (4,5%, porém permitindo ao BC buscar...

- Ésquilo, Sófocles E A Meta De Inflação
Mais uma vez aproxima-se o momento de definição da meta de inflação (no caso para 2011) e, como de hábito, os argumentos equivocados contra sua redução já começam a aparecer. Os suspeitos de sempre se opõem à meta menor alegando que a busca...

- Celebração Da Derrota
No dia 11/07/2007, publiquei uma coluna (“O choque é nosso”) a propósito da fixação da meta de inflação para 2009 em 4,5%, na qual afirmava que a decisão tomada à época apenas contribuiria para erodir a ancoragem das expectativas, puxando...

- A Meta E O Coelhinho Da Páscoa
O debate sobre a possível (mas não adotada) redução da meta de inflação para 2009, mantida ontem em 4,5%, teve ao menos um mérito: mostrou que ainda há economistas no mundo que acreditam ser possível acelerar o crescimento à custa de inflação...

- Meta De Inflação Do Brasil Para 2011 E 2012
CMN define meta de inflação para 2012 em 4,5% Decisão do CMN foi anunciada nesta terça-feira; tendência até o fim do ano é de convergência do índice para a meta AE 22/06/2010 14:25 O Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu fixar em 4,5%...



Economia








.