Economia
Celebração da derrota
No dia 11/07/2007, publiquei uma coluna (“O choque é nosso”) a propósito da fixação da meta de inflação para 2009 em 4,5%, na qual afirmava que a decisão tomada à época apenas contribuiria para erodir a ancoragem das expectativas, puxando a inflação para cima. E alertava: “Quando isto acontecer não há de faltar quem atribua tal desempenho a ‘choques externos’ ou à divina providência, mas, não, desta vez o ‘choque’ será nosso”. Em retrospecto, foi profético.
De fato, não apenas a inflação – que em meados do ano passado aparentava se encaminhar para um valor bem inferior à meta – chegou a 4,5%, mas, pior, isto foi apresentado como motivo para exaltar a “sabedoria” da fixação da meta em valor superior às expectativas de mercado. Tal celebração, contudo, parte do pressuposto que a escolha da meta de inflação não tem qualquer efeito sobre a inflação em si. Há, porém, várias razões para acreditar que tal premissa é simplesmente falsa.
A primeira refere-se ao efeito da fixação da meta sobre as expectativas de inflação. Um trabalho recente do Banco Central (Brazil: taming inflation expectations) sugere que a meta é o fator mais importante na determinação destas expectativas e, de fato, há evidências mostrando como estas se deterioraram em seguida à fixação da meta para 2009.
O Tesouro Nacional emite títulos que pagam dado juro nominal (prefixados) e papéis que pagam inflação mais uma taxa de juros real (indexados). A diferença entre o retorno dos papéis prefixados e indexados nos fornece, pois, uma estimativa do que o mercado acredita que será a inflação futura. Tal estimativa, aliás, possui uma propriedade interessante: quem estiver errado a seu respeito pode perder muito dinheiro. Este singelo incentivo sugere que a inflação implícita deve refletir o que as pessoas realmente esperam acerca da inflação futura.
Segundo estes dados, a inflação anual implícita até o final de 2009 era, antes da fixação da meta para aquele ano, próxima a 3,7%. Após a fixação da meta, porém, subiu aceleradamente na segunda metade do ano até atingir valores superiores a 5%. Para isolar os efeitos da aceleração recente da inflação, que poderiam contaminar esta estimativa, refizemos as contas para o período 2009-2013, cuja inflação implícita salta de 4% para 5%. De forma similar, a expectativa de inflação 12 meses à frente, pesquisada pelo BC, veio de 3,5% em junho de 2007 para 4,3% em janeiro de 2008. Vale dizer, a reação das expectativas foi exatamente aquela que o estudo do BC sugeria.
Afora isto, a experiência mostra que as expectativas afetam a inflação corrente. Nossas estimativas indicam que a deterioração das expectativas pesquisadas pelo BC pode adicionar algo como 0,5% à inflação em 2008 (ou mais, se usarmos a inflação implícita), além de terem contribuído para a aceleração da inflação de 2007.
Em outras palavras, por mais que se tente agora argumentar a presciência da fixação da meta em 4,5% não se pode ignorar que tal valor superava em muito as expectativas vigentes à época. Assim, ao invés de ancorar as expectativas em patamares mais baixos, a decisão levou à sua revisão generalizada para cima acelerando a inflação corrente e a esperada para 2008. Para evitar subir o último degrau da escada, desceram dois degraus e aí reclamam como será difícil subir os três que faltam. Celebrar o quê?
(Publicado 23/Jan/2008)
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