A meta e o Coelhinho da Páscoa
Economia

A meta e o Coelhinho da Páscoa


O debate sobre a possível (mas não adotada) redução da meta de inflação para 2009, mantida ontem em 4,5%, teve ao menos um mérito: mostrou que ainda há economistas no mundo que acreditam ser possível acelerar o crescimento à custa de inflação mais alta (ou, de forma equivalente, que perseguir inflação mais baixa implica menos crescimento). Tal feito só será superado quando antropólogos localizarem a tribo há muito perdida que ainda idolatra o Coelhinho da Páscoa, mas acho que, por enquanto, uma bizarrice só é suficiente.

Desde o trabalho de Milton Friedman e Edmund Phelps na década de 60 é sabido que uma inflação mais elevada só se transforma em crescimento adicional caso surpreenda os agentes econômicos. Só neste caso o salário real cairia, estimulando a demanda por trabalho e a expansão do emprego e produto. Por outro lado, se a aceleração da inflação já for esperada, os salários nominais se ajustarão a tal expectativa; desta maneira, no momento que a inflação mais alta se materializar não haverá qualquer efeito sobre os salários reais e, portanto, nenhuma expansão do emprego ou do produto.

Como nada é menos surpreendente que a inflação anunciada, a meta de inflação não deveria ter qualquer efeito sobre o nível de produto, seja ela mais alta ou mais baixa, desde que os agentes creiam que a inflação observada oscile, de fato, em torno da meta.

Isto dito, cabe aqui um reparo nos casos em que a credibilidade do BC é imperfeita. Se os agentes acreditarem, por exemplo, que a inflação ficará acima da meta, o BC terá que fazer um esforço adicional para convencê-los do contrário. Neste caso muito provavelmente o produto ficará abaixo do seu potencial por algum tempo, até que as expectativas se ajustem à meta, ou seja, que o BC estabeleça a credibilidade do seu compromisso com a meta de inflação. Assim, mesmo que a inflação não tenha efeitos persistentes sobre o crescimento, é possível que durante o período de desinflação haja algum custo em termos de produto, que desaparece à medida que o controle inflacionário se cristaliza.

No Brasil esta etapa foi finalmente ultrapassada. Depois de uma fase em que as expectativas de inflação superavam a meta, o BC conseguiu trazê-las para patamares próximos a 4%. Tal desenvolvimento implica duas razões para crer que uma redução da meta hoje para este nível não traria sequer os custos de curto prazo acima mencionados.

O primeiro, razoavelmente óbvio, refere-se às expectativas já estarem em 4%, ou seja, não há necessidade de desinflação adicional. Além disto, num nível mais profundo, a reputação do BC mudou: mesmo que as expectativas hoje não estivessem neste nível, o anúncio de uma meta mais baixa cuidaria de alinhá-las. Em ambos os casos o custos associados à redução da inflação, se houvessem, seriam pequenos em troca de uma taxa de inflação mais próxima à de nossos principais parceiros.

Não há, pois, motivos reais para termos perdido mais uma oportunidade no longo processo de convergência da economia brasileira à normalidade. O único – e, infelizmente, aparentemente intransponível – obstáculo é a crença antiquada na oposição entre inflação e crescimento, já demonstrada inexistente, seja na teoria econômica, seja na experiência dos bancos centrais ao redor do mundo. Depois disto, só nos resta saudar o Coelhinho da Páscoa.

(Publicado 27/Jun/2007)



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