Ricardo Lacerda
A economia mundial experimenta tempos extraordinários, enfrentando desde meados de 2011 uma recidiva da crise iniciada ainda em 2007. A resposta brasileira à forte deterioração do cenário internacional no final de 2008, com o estímulo ao poder de compra interno, propiciou que a nossa economia recuperasse rapidamente a trajetória de crescimento e venha mantendo taxas elevadas de geração de emprego.
Acompanhando atenta a Europa se desmanchar nessa nova etapa da crise, a gestão da política econômica tornou-se mais complexa no seu intento manter a sustentabilidade do crescimento econômico, mesmo a taxas mais modestas. Como é recorrente nesses momentos, alguns especialistas reagem negativamente às medidas menos ortodoxas adotadas e clamam por mais juros e menos ações de defesa da indústria, paladinos que são da austeridade e do livre comércio. Em um momento em que os reflexos da crise mundial ameaçam não apenas a continuidade do crescimento mas a própria integridade de nossa estrutura industrial, não se sabe se tais posicionamentos são um caso de oportunismo ou de dissociação da realidade.
Produção trimestralOs números da produção física da indústria brasileira, apresentados pelo IBGE na semana que passou, ilustram o momento difícil do setor. A produção física recuou 2,1% em março de 2012 em relação ao mesmo mês do ano anterior. No trimestre, a retração atingiu 3% e nos últimos doze meses a queda foi de 1,1%. Em relação a fevereiro, na série livre de efeitos sazonais, a produção industrial de março caiu em 18 dos 27 ramos pesquisados. A tabela apresentada resume a extensão e a profundidade da retração:no 1º trimestre a produção física de bens capital caiu 11,4%, a de bens duráveis, 11,6%, de bens intermediários, 1,3%, e apenas os não duráveis e semiduráveis apresentaram modesto crescimento, de 0,9%.
Com os resultados de março de 2012, a produção física da indústria brasileira registrou retração pelo quarto trimestre consecutivo. No primeiro trimestre de 2012, mais da metade das atividades pesquisadas apresentaram queda, ainda que o recuo de mais de 20% da produção automobilística, com problemas de inadimplência no crédito, tenha sido mais assustador.
EstagnaçãoA crise financeira internacional interrompeu no final de 2008 a trajetória de crescimento da indústria brasileira iniciada em 2004. O gráfico ao lado apresenta a média trimestral (móvel) da produção física da indústria, na série sem efeitos sazonais, desde janeiro de 2004. Após aacentuada trajetória em V entre setembro de 2008 e maio de 2010, a produção física industrial andou de lado, com oscilações, até maio de 2011 e a partir do mês seguinte iniciou o caminho descendente, quando a deterioração da situação na Europa produziu nova crise de confiança na economia mundial.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria
Ainda que as questões do lado da oferta, como a elevação do custo do trabalho e a evolução desfavorável da produtividade frente a concorrentes externos, devam ter efeito explicativo no descompasso de nossa indústria, argumentar que tais condições de oferta mudaram abruptamente em setembro de 2008, exatamente quando a demanda inverteu, é um exercício de difícil convencimento. A lição que fica é que, ao lado das medidas de longo prazo para elevar a competitividade, adotar mecanismos de defesa é crucial para preservar o setor industrial nesses tempos difíceis.
Publicado no Jornal da Cidade em 13/05/2012
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