Economia
Fundos Soberanos: do mistério à prática agressiva
A globalização trouxe a internacionalização das economias, mediante a consolidação dos mercados financeiros, entretanto, produziu a volatilidade como sua co-irmã. A conseqüência, amiúde, foi a de crises cambiais profundas, a partir da metade da década de 1990, abatendo em cheio as economias do México, Rússia, Brasil, Argentina e Turquia. A solução encontrada posteriormente foi a arrecadação de reservas em moeda forte (no caso, o dólar), com vistas à manutenção da segurança da política monetária e aumento da confiabilidade do mercado financeiro (com destaque para os credores das dívidas público-privadas).
De início, com supervisão dos Bancos Centrais, parte das reservas foi aplicada na compra do títulos da dívida norte-americana de baixo risco, conhecida como AAA, de retorno pífio e descendente. Desde o início do ano 2000, entretanto, a participação de um “novo” player no cenário econômico mundial desperta reações protecionistas dos componentes do G7 : a participação dos fundos soberanos. Esses, antes até insolventes em suas aplicações (devido ao custo de carregamento maior do que o retorno das aplicações na sustentação do monstro americano), estão entrando na disputa pelo controle acionário de grandes empresas ao redor do mundo (até da Coca-Cola), tendo sobre controle (valores não confirmados) de US$ 3 trilhões. A sua existência possui um ar de mistério, visto que não há obrigação institucional de divulgação dos ativos em seu poder, nem mesmo regulamentação internacional por parte do FMI para futuras aquisições, à semelhança dos fundos de Private Equity.
Os recursos que alimentam os SWF (do inglês, Sovereign Wealth Fund) têm origem tanto das receitas pela exportação de commodities não-renováveis, como o petróleo (no caso de Qatar, Abu Dhabi, Dubai, Botsuana, Arábia Saudita, Kuwait, Irã, Noruega, Malásia) ou também de superávits fiscal e em conta correntes (i.e Austrália, Singapura, China, Taiwan).
Entre alguns dos negócios já realizados pelos fundos acima descritos consideram-se:
- Aquisição da empresa inglesa P&O (negócios portuários) pela holding Dubai Ports World, do governo de Dubai, no valor de US$ 6,8 bilhões de dólares. O negócio acabou sendo desfeito por pressões políticas advindas de Washington. O senador democrata Charles Schumer chegou a declarar que dar a uma empresa árabe o acesso aos portos americanos representava ameaça à segurança nacional.
- Na disputa pela compra da petrolífera americana Unocal, a estatal chinesa CNOOC concorreu contra a Chevron. Segundo informações de participantes da mesa de negociações, novamente, a influência política atrapalhou a vitória chinesa.
- A China Investment Company, administradora das reservas cambiais chinesas, adquiriu 4 bilhões de libras em ações do IPO do Blackstone, um grupo britânico de Private Equity, dono da rede de hotéis Hilton e Deutsche Telekom. Consoante opinião de analistas, o motivo da compra ultrapassa os limites financeiros, chegando a representar o interesse crescente das empresas chinesas no que diz respeito ao acesso à informação e a tecnologia. Para mim, nada de incrível nesse intento. Alguns profissionais do ramo econômico temem uma “cortina de fumaça” do capital chinês em direção às empresas ocidentais.
- O Temasek Holding, do governo de Singapura, investiu Us$ 2 bilhões de dólares na aquisição de uma participação minoritária no tradicional banco inglês Barclays.
- O Abu Dhabi Investment Authority, dos Emirados Árabes, considerado como o maior em patrimônio (US$ 875 bilhões), investiu US$ 5 bilhões na compra da empresa canadense de petróleo PrimeWest Energy Trust.
Com um nível de reservas internacionais tangenciando o cálculo “ideal” da ordem de US$ 180 bilhões (que cobre a dívida do setor público e privado junto a credores externos e ainda permite a constituição de uma pequena poupança para crises pontuais), a idéia da criação de um fundo do governo brasileiro já está sendo ventilada pelo ministro Guido Mantega. Segundo ele, os recursos desse fundo (US$ 10 bilhões) seriam investidos na compra de títulos e debêntures de empresas e/ou instituições brasileiras emitidos no exterior. Os tipos de aplicações seriam definidos em lei.
Segundo o economista Steffen Kern, do Deustche Bank, autor do estudo – Fundos Soberanos: investimentos estatais em alta - “é difícil estimular a transparência de um fundo em nível internacional, já que alguns pertencem a Estados soberanos que relutam em divulgar detalhes de investimentos”. Tal postura introspectiva desperta crítica das potências econômicas como a Alemanha, na figura de Angela Merkel: “Como nós lidamos com fundos em mãos do Estado? Esse é um fenômeno que ainda não existia em tal escala.” A questão de estipular uma legislação sobre essas estruturas estatais de investimento está sendo foco direto de investigação por parte do FMI e Banco Mundial. Caso não haja supervisão, o poder monetário desses fundos poderá gerar um descompasso financeiro global, ou até “bolhas”, segundo o economista-chefe da Mauá Investimentos, Caio Magale.
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