Dejà-vu
Economia

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Nota: este artigo foi escrito em meados de novembro, antes de sair de férias. Tive que fazer pequenas alterações, por conta do que aconteceu desde então, mas deixei registrada a versão original, mesmo porque os acontecimentos recentes mostraram que o ponto central da coluna estava correto. Julguem vocês mesmo. Abs

Quando o próprio governo reconhece que o regime cambial é de “flutuação suja” é porque não restou flutuação, só sujeira. Nos últimos 6 meses (127 dias úteis) a taxa de câmbio ficou no intervalo de R$ 2,00/US$ a R$ 2,05/US$ em nada menos do que 106 dias, mais do que 80% do tempo. Como na história de Cachinhos de Ouro, o mingau parece era muito frio abaixo de R$ 2,00/US$ (apenas 8 observações) e muito quente acima de R$ 2,05 (modestas 13 observações). Apenas naquele intervalo é que as autoridades se sentem pareciam confortáveis.

Os motivos parecem eram claros. Abaixo de R$ 2,00/US$ recomeça a choradeira do setor industrial, à qual o governo não consegue resistir. Já o câmbio acima de R$ 2,05/US$ parece parecia gerar certo receio, talvez acerca da inflação, muito embora na lista de prioridades do governo ela apareça logo após o programa de corte das garras das harpias nos parques federais.

Resta saber se este estado de coisas é seria duradouro. Creio Desenvolvimentos recentes mostraram que não, em função do que vem ocorrendo no mercado de trabalho e do parco desenvolvimento no campo da produtividade.

Como tenho insistido há tempos, há sinais cada vez mais fortes que o mercado de trabalho se encontra apertado. Apesar do ritmo de criação de empregos ter se reduzido, em particular no segmento do trabalho formal, os salários prosseguem crescendo aceleradamente, algo como 8% no terceiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado.

Já o crescimento da produtividade, tomado ao pé da letra, tem sido negativo, pelo mesmo até o segundo trimestre. Na minha interpretação, mais caridosa, a tendência de expansão da produtividade é da ordem de 1,5% ao ano, positiva, mas ainda assim insuficiente para compensar o aumento de custos advindo da pressão salarial.

Neste aspecto, a salvação da lavoura, principalmente para o setor industrial, foi a depreciação da moeda. Medido em dólares o salário médio caiu de US$ 990 no terceiro trimestre de 2011 (o mais elevado da série) para cerca de US$ 860 no mesmo período de 2012, queda de 13%.

Todavia, a se manter o ritmo de crescimento dos salários, em um ano seu valor em dólar já estará ao redor de US$ 930 caso a taxa de câmbio permaneça inalterada, erodindo novamente a competitividade do setor industrial. Posto de outra forma, passa a ser questão de tempo para que o BC, guiado pelo Ministério da Fazenda, seja obrigado a migrar a taxa de câmbio para novo patamar, de modo a manter salários nacionais (ajustados à diferença de produtividade) alinhados aos dos concorrentes internacionais. Caso haja sensação de dejà-vu, não se espante: trata-se da mesma política cambial adotada na década de 70 e com implicações similares.

Por um lado, desvalorizações periódicas permitirão o repasse de preços internacionais, assim como observamos recentemente no caso das commoditiesagrícolas.

Por outro lado, o aperto no mercado de trabalho deve garantir que salários continuem subindo acima da inflação. Em particular isto implica que a inflação de serviços deve seguir rodando acima da inflação de bens.

Visto por outro ângulo, à medida que a economia se aproxima do pleno emprego a taxa de câmbio teria que se apreciar para aumentar as importações líquidas e, portanto, a oferta total de bens e serviços. Caso, porém, a política cambial não permita que tal ajuste se dê pelo barateamento do dólar, a apreciação ocorrerá pelo encarecimento do produto local.

A alternativa a esta política envolveria, por um lado, um controle mais estrito dos gastos públicos, em particular dos gastos correntes e, por outro, um conjunto de políticas dirigido à aceleração do crescimento da produtividade.

Considerando o que foi feito nestas áreas até o momento, contudo, consigo até entender porque preocupação com a inflação vem depois da manicure das harpias: sob este regime deve ser mais difícil trazê-la de volta à meta do que tentar apanhar os pássaros na unha.

- Ih, não funcionou...

(Publicado 28/Nov/2012)



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