Economia
Amigo do alheio
Depois de cinco anos de superávits o Brasil voltou a registrar déficits em suas transações de bens e serviços com o exterior. Entre junho de 2007 e fevereiro deste ano a conta corrente passou de um saldo positivo em US$ 13,3 bilhões para um negativo de US$ 5 bilhões, uma diferença de US$ 18,3 bilhões. Embora a remessa de lucros explique parcela significativa desta mudança, não resta dúvida que a maior parte do movimento se deve à balança comercial, cujo saldo se reduziu em US$ 11 bilhões no período, não por exportações mais baixas, mas devido ao aumento das importações, o que bastou para por os suspeitos de sempre em polvorosa.
Na verdade, o país padece de um forte viés anti-importação. Basta que as importações cresçam para que se observe a grita generalizada dos arautos protecionistas. No entanto, as mesmas vozes que protestam contra as importações são as que tecem loas ao crescimento do mercado interno, como se não houvesse qualquer relação entre os dois fenômenos. A maior ironia, porém, é que o rápido crescimento das importações resulta do próprio fechamento do país ao comércio internacional pregado por estas mesmas pessoas.
De fato, é possível mostrar (ao custo, porém, de matar de tédio o raro leitor) que a diferença entre crescimento da demanda doméstica (7%) e o PIB (5,4%), num país em que exportações e importação representam respectivamente 14% e 12,5% do PIB, implica importações (em quantidade) crescendo algo como 13% acima das exportações. Esta mesma diferença entre demanda interna e PIB num país cuja exposição ao comércio internacional fosse duas vezes maior que a brasileira implicaria um crescimento das importações apenas 5,7% mais rápido que das exportações.
Não bastasse isto, pode-se também mostrar que, no caso brasileiro, cada 1% a.a. adicional de crescimento da demanda relativamente ao PIB requer uma expansão de 8% a.a. das quantidades importadas. No país duas vezes mais aberto, este mesmo crescimento adicional requereria apenas 3,7% a.a. a mais de importações.
Em tal contexto, dada a aceleração da demanda doméstica no primeiro trimestre deste ano, as quantidades importadas deveriam crescer 18% mais rápido do que as exportações. Como estas aumentaram 5% nos 12 meses terminados em fevereiro, a expansão das importações deveria atingir 24%, precisamente o que observamos. Some-se a isto 10% de aumento de preços de importações e temos um aumento das importações, em dólares, de 37%, também o número observado em fevereiro.
Não há, pois, nada de sobrenatural ou distorcido no crescimento rápido das importações, mas tão-somente o resultado da demanda doméstica aumentando a uma velocidade bem superior ao produto num país pouco exposto ao comércio internacional.
Há, é verdade, quem argumente que, na ausência das importações, a demanda teria sido suprida pela produção local, mas basta observar o setor industrial trabalhando no limite da sua capacidade para perceber que, não fosse a ampliação das importações, ou a inflação já teria se desviado significativamente da meta, ou o Banco Central já teria elevado os juros e contido o crescimento da demanda doméstica.
Vale dizer, o ressurgimento do déficit em conta corrente é a conseqüência natural do crescimento da demanda doméstica. Se o governo está preocupado com isto deveria reduzir seus gastos, embora pareça mais inclinado, como sempre, a reduzir o gasto alheio.
(Publicado 2/Abr/2008)
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