Economia
Concorrência com chumbo
Ao longo dos últimos anos, a evolução do preço do petróleo e o seu reflexo nas despesas correntes de particulares e empresas assumiu um claro protagonismo na discussão das matérias de natureza económica.
Como não poderia deixar de ser, foi fundamentalmente pela tendência altista dos preços desta matéria-prima que tal preocupação emergiu de forma mais vincada, assumindo em alguns casos impactos muito significativos sobre as condições de gestão corrente de particulares e empresas e sobre as próprias Contas Públicas, a nível orçamental e dos saldos externos.
Se olharmos para a última década, tal como eu fiz passando em retrospectiva muito do que escrevi sobre esta temática, a verdade é que foram muitas as nuances que envolveram este assunto, em linha com a evolução das circunstâncias e dos enquadramentos normativos e institucionais.
A título de exemplo, recuando até ao período de governação de António Guterres, os consumidores pouco sentiam o impacto das subidas (então bem mais ligeiras) dos preços do petróleo no preço pago pelos combustíveis, atendendo à política de desagravamento fiscal (ao nível do ISP) que compensava tais variações, e que acarretava significativos custos para o erário público.
Como é típico das governações socialistas, essa visão de curto prazo e sem sentido estratégico viria a inflectir-se perto do seu ocaso, quando o Governo de então começou a estimular a subida dos preços dos combustíveis como forma de reduzir os encargos suportados com as indemnizações pagas às empresas petrolíferas, já em contra-ciclo com a descida dos preços do petróleo.
A partir de 2004, a liberalização dos preços abriu uma nova frente de batalha, centrada nas práticas restritivas da concorrência que estariam a ser empreendidas pelas empresas revendedoras de combustíveis.
Por entre subidas “concertadas” de preços e reservas igualmente “concertadas” ao ajustamento em baixa aquando da descida dos preços do petróleo, esta nova realidade foi alvo de forte contestação, na maior parte dos casos liderada pelas empresas do sector dos transportes rodoviários (e por uma das suas entidades mais representativas, a ANTRAM).
Ainda que por motivos mais ligados à evolução dos preços e menos às condições concorrenciais em vigor, não nos podemos esquecer que há bem pouco tempo, em Junho de 2008, o País viu mesmo as suas principais cidades serem alvo de bloqueios de protesto por parte dessas mesmas empresas de transporte rodoviário.
As cedências do Governo de José Sócrates viabilizaram a pacificação, depois sustentada pela inversão dos preços do petróleo nos mercados internacionais, que hoje atingem valores bem mais confortáveis. Até um dia...
Ainda assim, as questões ligadas à concorrência no sector mantiveram-se na berlinda, com múltiplos estudos, relatórios, inquéritos e audições dos responsáveis da Autoridade da Concorrência em sede de Comissões especializadas da Assembleia da República.
A questão suscitada esta semana pelos Parlamentares do CDS/PP – a possível cartelização dos preços dos combustíveis nas auto-estradas – é apenas um aspecto particular ainda que curioso nesta aprofundada discussão.
De facto, o Governo aprovou em 2005 a obrigatoriedade de instalação de painéis informativos dos preços de combustíveis nas auto-estradas, medida essa que só foi levada à prática alguns anos depois.
O objectivo desta iniciativa era o “reforço da transparência” visando permitir que os consumidores “escolhessem o posto abastecedor mais económico”.
Como rapidamente se veio a constatar, qualquer que seja a auto-estrada de qualquer zona do País, a probabilidade de o condutor encontrar painéis com preços iguais para todos os combustíveis em todas as bombas abrangidas deve rondar os 99,9%, sendo que nos 0,1% restantes a diferença se cifra em um cêntimo no preço de um dos combustíveis.
Associado a este fenómeno, está também a queixa de que os valores praticados nas auto-estradas são manifestamente mais altos que os que podem ser encontrados em postos instalados em outras vias.
Ora, neste caso, mais do que o possível “conluio” entre operadores, está a evidência de que os clientes que utilizam estes postos se encontram normalmente num”estado de necessidade” não tendo muita liberdade de escolha do seu fornecedor. Simpático ou não, é o mercado a funcionar.
Quanto à questão da similitude dos preços, se olharmos para o estudo apresentado por Manuel Sebastião sobre a formação dos preços dos combustíveis numa Audição Parlamentar de Outubro de 2008, verificamos que se apontam como componentes do preço de venda ao público os seguintes 4 factores: preço ex-refinery, custo de logística, retalho (custo+margem) e imposto (ISP e IVA).
E, não será difícil perceber que só por uma extraordinária coincidência matemática é que daqui poderia resultar um valor equivalente para postos de empresas diferentes que distam mais de uma centena de quilómetros entre si.
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