Arroz amargo
Economia

Arroz amargo



Imagine que pousa o jornal, se dirige a um supermercado para fazer as suas compras e que não lhe permitem adquirir mais do que um certo número de quilos de arroz.
Estará a ser alvo de um “apanhado televisivo”? Terá entrado sem querer num filme de ficção científica sobre um futuro distante, pós-apocalíptico?
Se, todavia, for cliente das americanas Costco Wholesale Corp. ou Sam’s Club (do Grupo Wal-Mart) ou da britânica Tilda, esta é uma situação possível de se ter verificado desde a semana passada, altura em que estas cadeias de distribuição decidiram racionar a venda de arroz aos seus clientes.
Na base de tão surpreendente quanto drástica decisão está um conjunto de factores extremamente graves, que alicerçam uma das maiores crises alimentares que a humanidade enfrentou nos tempos modernos, com consequências que se poderão vir ainda a amplificar no tempo.
Como em qualquer mercado, este tipo de decisão “administrativa” de restrição da oferta só pode ser explicado num contexto de grande desequilíbrio entre as duas forças em contenda, ou por escassez de oferta ou por excesso de procura.
Antes mesmo de tal medida, é óbvio que o mercado tenderia a ajustar-se por si, via subidas do preço do bem, o que veio efectivamente a acontecer pese embora a delicadeza “social” do produto em questão.
Na verdade, ao longo do último ano, os preços do arroz nos principais mercados internacionais registaram subidas exponenciais, em linha com o que sucedeu com vários outros cereais, por motivos de natureza similar.
O que deu então origem a tão inusitado fenómeno?
Mais do que um aumento de procura por via do crescimento da população mundial ou de uma redução da oferta em resultado de uma diminuição da capacidade produtiva (em resultado, por exemplo, de condições climáticas adversas) – que têm também ocorrido -, o principal factor explicativo reside na utilização alternativa destes produtos, nomeadamente para a produção de combustíveis.
De facto, à medida que o preço do petróleo tem também registado crescimentos incontidos nos mercados mundiais, a generalidade dos países que pagam elevadas facturas energéticas e que dispõem deste tipo de recursos, tem optado pelo uso alternativo destas matérias-primas para a obtenção de bio-combustíveis.
A conjugação de cada um destes contributos deu assim origem ao actual estado de coisas, para o qual parece não haver solução à vista.
Em resultado desta evolução recente, muitos países decidiram limitar o seu volume de exportações, de forma a assegurar a alimentação das suas populações e a dispor de recursos para a produção dos referidos combustíveis.
Tal opção vem agravar ainda mais a pressão inflacionista sobre o preço destes bens e estimulou a ocorrência de práticas de açambarcamento por parte dos consumidores em certos países desenvolvidos, que agora se pretendem combater com medidas como o referido racionamento das vendas.
Para agravar a situação, a subida dos preços dos cereais terá várias repercussões em outros bens alimentares, aumentando ainda mais a pressão sobre a inflação nos países desenvolvidos.
Por sua vez, nas economias mais débeis do Planeta, este cumular de factos pode também dar origem a diversas situações perniciosas, desde a incapacidade de satisfazer a crescente procura de franjas da população que começam a ter acesso a maiores níveis de rendimento, até à própria impossibilidade de assegurar níveis mínimos de alimentação ao conjunto da população mais carenciada, com o que tais situações podem representar ao nível da instabilidade social e política dessas Nações.
Ao longo dos anos mais recentes, foram já várias as incidências de motins por força da dificuldade de acesso a bens alimentares ou de contestação com a evidente escalada dos preços, da América Latina a África, a vários países orientais ou do Pacífico.
Em plena Europa, os italianos fizeram em 13 de Setembro de 2007 uma “greve à pasta”, em resposta a eventuais movimentos especulativos no preço deste produto.
No conjunto desta realidade, há inúmeras questões que permanecem sem uma resposta clara, dando indicações contraditórias sobre a evolução futura destes mercados: será mesmo economicamente eficiente o recurso a estes cereais na produção de combustíveis? Poderá aceitar-se o recurso a alimentos geneticamente modificados para compensar o défice de oferta mundial? Será este o tempo de voltar a apostar no sector primário?
Como parece claro, Portugal não passará incólume a esta crise, faltando apenas apurar qual a repercussão concreta e o timing da mesma e as medidas que o Governo irá tomar para tentar contornar essas consequências.



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