Bons hábitos
Economia

Bons hábitos


Carole Bouquet e Angela Molina, actrizes do filme de Buñuel 'Esse obscuro objecto de desejo'. Fotografia de Allan Tannenbaum, NY-1977
Carole Bouquet e Angela Molina

O cérebro humano apresenta uma série de características que não encaixam bem na imagem da "implacável máquina de raciocinar", mas fazem sentido em termos de poupança de energia - ou optimização de recursos.

Por exemplo: é sabido que não processamos as imagens do mundo exterior com todo o detalhe, pois isso seria muito dispendioso em termos de scanning e armazenamento na memória. Guiamo-nos muito pelas silhuetas e deduzimos os volumes a partir das arestas. Esta simplificação também tem o seu preço, provocando-nos algumas ilusões, como esta, esta ou esta.

É também por isso que nunca vemos o mundo como ele realmente é, mas como estamos à espera que seja, razão pela qual as testemunhas de um acontecimento divergem tanto sobre o que observaram. E não será de estranhar que muitas pessoas tenham visto o filme "Esse obscuro objecto de desejo" sem se aperceberem de que Buñuel utilizou alternadamente as actrizes Carole Bouquet e Angela Molina para o papel da evasiva Conchita. No entanto, veja as diferenças.

Outra estratégia de poupança de energia são os hábitos. Se fazemos todos os dias o mesmo percurso automóvel, porque havemos de estar todos os dias a processar a mesma informação? O nosso organismo coloca em funcionamento um "piloto automático" que nos conduz pelos caminhos usuais sem grande esforço, e por vezes chegamos ao destino sem perceber muito bem como é que lá fomos parar. Ou então, o piloto automático leva-nos por um caminho quando, naquele dia, até queríamos ir por outro lado.

O "piloto automático" dos hábitos também tem os seus problemas, tanto mais que foi desenvolvido pelo processo evolutivo durante épocas em que o mundo não mudava tão rapidamente quanto hoje. E o problema é que os hábitos custam a mudar, como bem sabem os fumadores arrependidos e os obesos compulsivos.

Numa investigação recente do MIT [detalhes aqui], conduzida por Ann Graybiel, analisou-se a actividade neural relacionada com a formação de hábitos e com a sua extinção/reaprendizagem, comprovando que a persistência dos hábitos nada tem a ver com a falta de "força de vontade" mas sim com mecanismos neurais bem estabelecidos. Além disso, se o organismo "aprendeu" algo uma vez, que depois houve vantagem em "desaprender", para "reaprender" de novo, faz sentido que não tenha que começar tudo da estaca zero.

Nas experiência do MIT, ratos de laboratório aprenderam que havia uma recompensa - chocolate - no final de um labirinto. No início da aprendizagem, os neurónios mantinham-se activos durante toda a corrida ao longo percurso, como se tudo fosse importante. Mas à medida que os animais aprendiam o significado dos sinais (sonoros) que indicavam qual o caminho que levava ao chocolate, os neurónios do gânglio basal "aprendiam" também, e passaram a estar activos apenas no início e no fim da tarefa, "desligando" ao longo do percurso já familiar.

Então os investigadores removeram o prémio, tornando os sinais inúteis. Esta mudança fez com que tudo no labirinto voltasse a ser relevante, e os neurónios voltaram a estar de novo activos durante toda a corrida até que, por fim, os animais deixaram de correr (perderam o hábito) e o padrão criado nas células cerebrais desapareceu. Mas quando se voltou a introduzir o prémio, o padrão antes aprendido reapareceu rapidamente: tal como se o cérebro retivesse a memória do hábito e do seu contexto, "repescando" o padrão logo que os sinais associados regressam. Esta situação é familiar para os que tentam perder peso ou controlar um qualquer hábito arreigado: basta a visão de um bolinho para "apagar" todas aquelas boas intenções...

Documentos de Ann Graybiel:
  • Palestra sobre "Neural Mechanisms of Habit Formation": ficheiros de imagem e som aqui.
  • "The Basal Ganglia and Chunking of Action Repertoires" (1998)
  • "Cocaine and the Changing Brain"

        Ann Graybiel

    Investigadora do MIT (Cambridge, Massachusetts), Ann Graybiel e a sua equipa têm realizado estudos pioneiros acerca da anatomia e fisiologia do cérebro, nomeadamente da região conhecida como gânglio basal, demonstrando os mecanismos de controlo neuro-químico dos complexos circuitos cerebrais. Estas investigações ajudam a compreender como é que esta zona do cérebro controla a actividade motora e a aprendizagem de procedimentos. O seu trabalho tem grande relevância para o conhecimento e tratamento de doenças como as de Parkinson, Huntington, síndroma de Tourette, disfunções obsessivo-compulsivas, défice de atenção e depressões profundas. Um dos focos da investigação de Graybiel tem sido o modo como os indivíduos criam e anulam hábitos, aspecto fundamental do comportamento humano.

    url: http://puraeconomia.blogspot.com/2005/10/bons-hbitos.html



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