A inflação além do pé de feijão
Economia

A inflação além do pé de feijão


O Fundo Soberano é o tema do momento, mas não meu assunto de hoje. Em primeiro lugar porque já tratei dele no ano passado (e minha opinião nada positiva a respeito não se alterou) e também porque, em artigo recente, Ilan Goldfajn já mostrou todos os aspectos negativos do “cofrinho” do ministro. Assim retomo aqui fio da meada da minha última coluna e volto à questão da aceleração da inflação no Brasil.

Mostrei no artigo anterior que a aceleração recente da inflação não pode ser atribuída ao aumento dos preços dos alimentos, pois as medidas de núcleo de inflação, que retiram do cálculo os movimentos mais exagerados de preços, revelam uma aceleração praticamente igual à da inflação cheia. Tal resultado sugere que a elevação da inflação observada no país está associada à piora da tendência subjacente de inflação, e não a movimentos acidentais de preços.

Dado este fato, restaria ainda saber a origem da deterioração da inflação subjacente, que, no meu entender, é o nível cada vez mais elevado de utilização dos recursos na economia, isto é, níveis crescentes de utilização de capacidade instalada, bem como uma redução persistente da taxa de desemprego, ambos tendo atingido patamares recordes nos últimos meses.

Na verdade, é possível combinar estes indicadores de uso de capital e trabalho, cada qual com ponderação equivalente à sua participação na renda nacional, de forma a construir um índice agregado de pressão sobre a utilização de recursos. Uma elevação deste índice corresponde a um grau maior de utilização de recursos na economia e, de forma equivalente, uma redução captura menor pressão sobre os fatores de produção. A partir daí, basta observar se esses movimentos guardam qualquer relação com a aceleração da inflação: se tal relação for positiva, há bons motivos para crer que a aceleração da inflação está de fato associada ao grau crescente de utilização de recursos.

O gráfico aqui exibido mostra que esse aparenta mesmo ser o caso no Brasil. Os dados revelam que a inflação se acelera em resposta à maior utilização de recursos com uma defasagem entre seis e sete meses, sugerindo que a aceleração da inflação que vemos hoje resulta do forte crescimento observado na segunda metade do ano passado.

Mais relevante, porém, é que, neste caso, os efeitos sobre a inflação do aumento da utilização de recursos para os atuais níveis recordes só se farão sentir mais para o final do ano. Isto indica que a inflação de 5% registrada nos 12 meses até abril ainda não representa o que veremos de pior em termos de aumento de preços em 2008.

Consequentemente, dadas as defasagens entre movimentos das taxas de juros e a reação da demanda, bem como entre a utilização de recursos e a inflação, não há muito que o Banco Central possa fazer acerca da inflação em 2008, já que esta resulta de decisões de política monetárias tomadas ainda em 2007. Isto dito, a batalha pela inflação de 2009 prossegue e é positivo notar que, mesmo isolado, o BC não desistiu do bom combate.

(Publicado 28/Mai/2008)



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