Ainda o fardo do economista neoclássico (ou ajoelha Polyana!)
Economia

Ainda o fardo do economista neoclássico (ou ajoelha Polyana!)


“NADA faz a inflação naturalmente se auto-alimentar e crescer descontroladamente (pare de supor isso a priori, por favor), logo, se a inflação é causada por choques de oferta, por exemplo, ela vai retornar à trajetória..”

Esta é a afirmação da Polyana (quer ser chamada de Lucrecia, mas é Polyana mesmo) que eu vou desmentir usando um modelinho muito simples.

A começar por uma curva de Phillips com expectativas racionais (depois mostro o caso com expectativas adaptativas), no qual a inflação hoje [p(t)] depende da expectativa da inflação futura E[p(t+1)] e do hiato corrente [h(t)], além de um choque de oferta e(t), suposto ruído branco.

p(t) = E[p(t+1)] + fh(t) + e(t) (1)

O lado da demanda é uma IS convencional, onde o hiato do produto depende o desvio da taxa real de juros com relação à taxa neutra (r) e um choque de demanda u(t), também ruído branco.

h(t) = -c[i(t) – E[p(t)] - r] + u(t) (2)

A regra de política monetária é uma regra de Taylor genérica, de acordo com a qual o BC ajusta os desvios da taxa nominal de juros relativamente ao nível neutro de acordo com os desvios esperados da inflação com relação à meta p* e do hiato:

i(t) = r + E[p(t)] + a[E[p(t)]-p*] + bE[h(t)] (3)

Substituindo (3) em (2) e tirando as expectativas, temos a seguinte expressão para o valor esperado do hiato:

E[h(t)] = -[cb/(1+cb)] [E[p(t)]-p*] (4)

Tirando as expectativas de (1) e usando (4) achamos a seguinte expressão para as expectativas da inflação corrente:

E[p(t)] = K E[p(t+1)] + (1-K)p* (5)

Onde K = [1+cb]/ [1+c(b+fa)] (6)

Vamos começar com o caso a>0, isto é, quando o BC reage a uma taxa de inflação esperada mais alta aumentando a taxa nominal de juros em montante superior à variação da inflação, ou seja, elevando a taxa real de juros.

Por (6), quando a >0, K<1 e (5) sugere que a expectativa de inflação corrente é uma média ponderada da expectativa futura e da meta. (5) também é uma equação a diferença que pode ser resolvida recursivamente, isto é, adiantando (5) em um período e substituindo na equação original e repetindo para valores futuros. Quem fizer isto chega a uma expressão em que a expectativa hoje depende de um valor da expectativa de inflação num horizonte arbitrariamente longo de tempo descontada, porém, por um valor muito baixo, já que o coeficiente K (menor do que um) é elevado a uma potência arbitrariamente alta. Este valor desaparece e o que sobra é um termo de valor presente. Quem quiser pode checar, mas eu vou usar um método diferente.

Seja F um operador de avanço, isto é:

x(t+1) = Fx(t)

e de forma mais geral

x(t+j) = (Fˆj)x(t).

Neste caso podemos reescrever (5) como:

E[p(t)] = [(1-K)/ (1-KF) ]p* (5a)

Não dá para usar o símbolo de somatória aqui, mas vou definir S(j=m,n)[X(j)] como a somatória de X(j) para o intervalo de “j” indo de m a n. Com esta definição temos:

E[p(t)] = (1-K)S(j=o,infinito) [(K^j)p*(t+j)]

Na verdade, no nosso contexto p* é uma constante (mas um caso interessante é ver o que ocorre com a inflação corrente se a meta de inflação for elevada – digamos em (t+1) – para sempre; dá um resultado legal para quem quiser se aventurar e ajuda a explicar a aceleração da inflação na segunda metade de 2007+), de modo que a equação simplifica para:

E[p(t)] = p* (7)

Isto é, a solução de expectativas racionais (sem inércia a priori, portanto) é que a inflação esperada é sempre igual à meta. Neste caso, por (1):

E[h(t)] = 0 (8)

O hiato esperado do produto é zero e a inflação não tem raiz unitária. Pode se desviar da meta por conta de choques, mas, em média, oscila em torno da meta.

O que acontece, porém, se a=0?

Voltando à regra de política monetária, este é o caso em que o BC não aumenta a taxa REAL de juros em resposta a inflação mais elevada, ou seja, acomoda o choque. Nos termos do nosso modelo, agora K=1 e deixa de ser verdade que o termo associado à inflação esperada num horizonte arbitrariamente longínquo convirja a zero (a condição de transversalidade não é mais válida – esperei anos para escrever isto no blog) e (7) não é mais uma solução válida para (5).

Agora (5) pode ser escrita como:

E[p(t+1)] = E[p(t)] (9)

Isto significa que a meta não mais ancora a expectativa de inflação (todo peso vai para a inflação esperada), ou seja:

p(t+1) = p(t) + v(t) (10) [onde v(t) é ruído branco, combinação linear de outros ruídos brancos]

Neste caso sim a inflação tem raiz unitária. Qualquer choque positivo, de demanda ou de oferta, mesmo que seja ruído branco se incorpora permanentemente à inflação e ela NÃO retorna à trajetória original.

O observador polyannesco, que olha só a forma reduzida (10), vai falar que a inflação é inercial e construir uma historinha de sindicatos, de como as pessoas olham para trás para formar expectativas de inflação (diga-se de passagem, neste caso de política monetária acomodatícia passa a ser ótimo formar expectativas de inflação futura a partir da passada, como (9) e (10 ) sugerem). E vai testar isto econometricamente (OK, exagerei, mas quem sabe?) e achar raiz unitária, certamente sem conhecer a crítica de Lucas (valeu "O").

E se a<0, ou seja, e se o BC sequer trabalhar para repor a redução da taxa real de juros que se origina de um choque qualquer? Neste caso K > 1 e a inflação se torna explosiva, isto é, qualquer choque positivo sobre a inflação a faz crescer indefinidamente. Aqui também a inflação não retorna à trajetória de metas.

Bom, a historinha da Polyana já foi devidamente desmentida para o caso de um modelo em que não há inércia a priori, pelo contrário, onde as expectativas são formadas olhando para a frente. O que ocorre no caso de um modelo de expectativas adaptativas (na verdade um caso particular, mas que ilustra o problema economizando um bocado em notação e técnica)?

A curva de Phillips segue agora a versão aceleracionista mais simples e supomos que a expectativa de inflação hoje é a inflação de ontem. Assim:

p(t) = p(t-1) + fh(t) + e(t) (11)

A IS agora é dada por:

h(t) = -c[i(t) – p(t) - r] + u(t) (12)

E a regra de política monetária é

i(t) = r + p(t) + a[p(t) -p*] + bh(t) (13)

Quem resolver o modelo para p(t) vai achar:

p(t) = Kp(t-1) + (1-K)p* + Ke(t) + Mu(t) (14)

onde K é o mesma definição do modelo anterior e M = f/[[1+c(b+fa)]

Aqui também não é difícil analisar a resposta da inflação à postura da política monetária. No caso a>0 (logo K<1), choques (de oferta ou demanda) causam desvio da inflação com relação à meta, mas combatidos com elevação da taxa real de juros levam a uma trajetória na qual a inflação retorna (gradualmente, por conta das expectativas adaptativas) à trajetória de metas. A rapidez do retorno depende (entre outras coisas) de “a”. Quanto maior for “a”, mas rápido o retorno. O hiato se torna negativo durante o período de ajuste, convergindo para zero ao longo do tempo, a velocidade de convergência também dependente de "a".

No caso a=0, K=1 e a inflação também se perpetua, isto é, (14 ) se torna:

p(t) = p(t-1) + e(t) + Mu(t) (14a)

Mais uma vez a inflação tem raiz unitária (em particular, se torna um passeio aleatório). Só que a raiz unitária não vem das expectativas adaptativas (como alguém pouco familiarizado com modelos poderia crer), mas sim da regra de política monetária. Isto fica claro pela comparação entre (14) e (14a): em ambas as expectativas são adaptativas, mas apenas em (14a) a raiz unitária aparece.

Já no caso a<0 (a autoridade monetária permite que a taxa REAL de juros caia quando a inflação se desvia da meta), qualquer choque, de novo, leva uma trajetória de aumento descontrolado da inflação.

Também no contexto de expectativas adaptativas, portanto, quem estimar (14a) vai achar raiz unitária na forma reduzida e achar que se trata de uma questão estrutural. Mas, como nossa Polyana/Lucrecia, estará redondamente enganada.

* * *

+ A pedidos: se a meta de inflação for alterada (para, digamos, p** em t+1) a solução para a expectativa de inflação hoje passa a ser:

E[p(t)] = (1-K)p* + Kp**

isto é, uma média ponderada entre a meta atual e a meta futura. Em particular, se a meta for elevada com relação à inicial, as expectativas de inflação aumentam e a inflação corrente (que depende de E[p(t+1)] se acelera.

Dica: a somatória de uma PG infinita com razão "a" (menor que um) é 1/1-a. Aqui fazemos a solução para uma PG infinita, deduzido o primeiro termo.



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