Câmbio e política fiscal
Economia

Câmbio e política fiscal


Prometi que, quando tivesse tempo, mostraria o modelo que sugere aperto fiscal para levar a um câmbio mais depreciado. Esta não é a única abordagem possível (quem preferir trabalhar com o diagrama de Swan há de chegar a conclusões semelhantes), mas tem a vantagem de integrar a análise num contexto explícito de IT, o que permite chegar a conclusões acerca de efeitos de variáveis nominais sobre reais que seriam difíceis de tratar sob outras estruturas.

O modelo é parente do que apresentei em outros posts (ver, por exemplo, http://maovisivel.blogspot.com/2009/04/ainda-o-fardo-do-economista-neoclassico.html#comments, ou http://maovisivel.blogspot.com/2009/06/maus-habitos-e-mau-halito.html), mas com algumas diferenças (economia aberta e uma regra ótima de política monetária, por exemplo).

A principal conclusão é que uma política fiscal mais apertada tende a levar a uma taxa de câmbio mais depreciada. Uma conclusão adicional é que a redução da meta de inflação depreciaria o câmbio.

O modelo começa com uma Curva de Phillips, associando a inflação corrente, p(t) à expectativa de inflação um período à frente, E[p(t+1)] e ao hiato de produto corrente, y(t), mais um choque de oferta s(t).

p(t) = E[p(t+1)] + ay(t) + s(t) (1)

O hiato de produto, por sua vez, depende da taxa real de juros, aqui definida como a diferença entre a taxa nominal de juros, i(t), e a expectativa de inflação, relativamente à taxa neutra de juros, r#. Além disto o hiato é afetado pela política fiscal, aqui capturada pela medida h(t). Como se trata de uma pequena economia aberta, há também o efeito da taxa de câmbio, e(t), relativamente à taxa de equilíbrio, e#. Por fim, há um choque de demanda, k(t). Tanto s(t) como k(t) são iid, com média zero e variância finita.

y(t) = -b{i(t) - E[p(t+1)] – r#} + ch(t) + d[e(t) – e#] + k(t) (2)

A notar que, para manter o modelo simples, o efeito da taxa de câmbio se dá todo ele sobre o lado da demanda, isto é, não há repasse. Isto dito, como ambos efeitos (repasse e demanda) caminham na mesma direção, os resultados não se alteram de forma geral.

Supomos mobilidade perfeita de capitais, tal que a paridade descoberta de taxa de juros seja válida. Assim, a diferença entre a taxa nominal de juros doméstica e a internacional, i*, corresponde à desvalorização esperada da taxa de câmbio.

i(t) – i* = E[e(t+1)] – e(t) (3)

Quando a taxa de juros local está no nível neutro (i# = r# + E[p(t+1)]) a taxa de câmbio atinge o seu nível de equilíbrio, e#, ou seja:

i# – i* = E[e(t+1)] – e# (3a)

Fechamos o modelo com o comportamento do BC. Neste caso o BC tem apenas a inflação como meta, minimizando a cada período metade do quadrado da diferença entre a inflação esperada e a meta, p#. A função perda é:

L = (1/2){ E[p(t)] – p#}ˆ2 (4)

Por (4) é direto que, a cada período, o BC busca fazer com que a expectativa de inflação se iguale à meta, isto é:

E[p(t)] = p# (5)

Isolando a taxa de corrente de câmbio em (3), usando-a em (2) e substituindo a expressão resultante em (1), descobrimos que a taxa nominal de juros que satisfaz (5) é dada por:

i(t) = [b/(b+d)]{ E[p(t+1)]+r#} + {E[p(t+1)] – p#}/a(d+b) + ch(t)/(d+b) +

+[d/(b+d)]{ E[e(t+1)] + i* - e#} (6)

A expressão (6) parece complicada, mas não é. Para ver isto, vamos dar um passo atrás e supor, por um instante, que estamos no caso de uma economia fechada, isto é, que o parâmetro d=0. Nesse caso (6) pode ser reescrita como:

i(t) = { E[p(t+1)]+r#} + {E[p(t+1)] – p#}/ab + ch(t)/ b) (6a)

O que diz (6a)? Diz que a taxa de juros para chegar à meta de inflação deve ser a neutra acrescida de dois elementos: (i) o desvio da taxa esperada com relação à meta; e (ii) o impulso fiscal. Estes mesmos elementos estão em (6), mas com duas alterações.

Em primeiro lugar há o efeito da taxa de câmbio, que terá que ser compensado pela política monetária (da mesma forma que esta compensa a política fiscal). Em segundo lugar, como a taxa de juros afeta a taxa de câmbio (por (3)), há um canal adicional para a política monetária, capturado pelo parâmetro d. Isto tipicamente reduz as alterações de taxas de juros requeridas para fazer a inflação convergir à meta.

Sob a regra (6), o hiato de produto seria dado por:

y(t) = {E[p(t+1)] – p#}/a + ak(t) + s(t) (7)

Assim, a inflação seria:

p(t) = p# + ak(t) + s(t) (8)

Ou seja, a meta mais os efeitos dos choques de demanda e oferta. Como, em média, esses choques são nulos, a inflação esperada é exatamente a meta:

E[p(t)] = p# (9)

Isto implica que a expectativa de inflação um período à frente também é igual à meta, de modo que o hiato de produto é determinado por:

y(t) = ak(t) + s(t) (7a)

Vale dizer, em média o hiato de produto seria zero, ou seja, mesmo sob um BC que só se preocupe com a inflação, a regra de política monetária tende a estabilizar o produto ao redor do potencial, à parte os choques imprevisíveis de demanda e oferta.

Sob (7a) a taxa nominal de juros seria dada por:

i(t) = (p# + r#) + ch(t)/(d+b) (10)

Isto é, a taxa de juros em equilíbrio pode se desviar da neutra para compensar efeitos de uma política fiscal expansionista (h>0) ou contracionista (h<0).>

Substituindo (10) na equação de paridade de taxa de juros teríamos:

e(t) = e# -(bc/w)h(t) (11)

onde w = b/(b+d).

Em particular note que, em equilíbrio:

e# = E[e(t+1)] + i* - (r#+p#) (12)

Equações (11) e (12) têm implicações importantes para a taxa de câmbio.

Por (11) vemos que uma política fiscal mais expansiva tende a apreciar a taxa de câmbio relativamente ao seu nível de equilíbrio. A intuição é direta: com uma política fiscal expansionista, o BC tem que elevar o juro além do seu nível neutro (pela equação (6), seguindo a intuição de (6a)) para entregar a inflação (esperada) na meta, o que aprecia a taxa de câmbio relativamente ao seu valor de equilíbrio. Isto, aliás, reduz o fardo sobre o BC (relativamente ao caso da economia fechada), pois, como vimos, há agora um canal adicional para a taxa de juros afetar a inflação.

Por (12) notamos que uma meta de inflação mais baixa tende a depreciar a taxa de câmbio de equilíbrio. Por que? Porque a taxa de câmbio de equilíbrio neste contexto depende do juro nominal de equilíbrio, que se reduz com a meta de inflação. Ou seja, reduzir a meta de inflação implica uma taxa nominal neutra menor e câmbio mais depreciado em média.

Em outras palavras, quem quer conviver com câmbio mais depreciado deveria recomendar: (a) aperto fiscal; e (b) redução da meta de inflação.




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