Economia
Quem acordou a fera?
A aceleração recente da inflação veio acompanhada de uma velha conhecida: a indexação, caracterizada pelo reajuste de preços e salários de acordo com a inflação passada. Nestas condições o custo para desinflacionar a economia é mais alto do que seria caso os reajustes de salários e preços fossem determinados apenas pelas expectativas sobre a inflação futura, em particular quando o BC consegue convencer a sociedade acerca do seu comprometimento com a meta de inflação.
Com efeito, num cenário de alta credibilidade tanto empresas quanto trabalhadores tendem a reajustar seus preços em valores próximos à meta, desviando-se dela apenas em resposta ao estado cíclico da economia: quando a economia está aquecida as condições se tornam mais propícias para aumentos de salários e repasses de preços e vice-versa. Neste caso, a redução da inflação envolve tipicamente alguma desaceleração do crescimento abaixo do seu potencial por algum tempo, mas nada muito além disso.
Por outro lado, quando preços e salários refletem (mesmo parcialmente) a inflação passada, a tarefa de trazer a inflação de volta à meta se torna mais difícil. Ainda que a economia desacelere relativamente ao seu potencial, parcela de preços e salários continuarão reagindo aos aumentos observados em períodos anteriores. Sob tais circunstâncias, a desaceleração requerida para reduzir a inflação será mais profunda (ou mais prolongada, ou ainda uma combinação de ambas). Não é difícil, portanto, entender porque bancos centrais abominam tal conduta.
Isto dito, embora seja tentador imaginar que a indexação tenha raízes históricas e culturais (transparente, por exemplo, no uso frequente da expressão “cultura de indexação”), muito provavelmente este comportamento surge em resposta a condições econômicas bastante concretas. De fato, alta credibilidade do BC não parece combinar com indexação; já a prevalência deste comportamento aparenta resultar de uma percepção de baixo compromisso do BC com a meta.
Esta última questão é geralmente caracterizada como uma resposta insuficiente do BC em termos da taxa de juros quando a inflação esperada se desvia da meta. Posto de outra forma, se a inflação esperada atinge, digamos, 1% acima da meta, a boa gestão monetária requer que o BC responda com um aumento da taxa nominal de juros superior a 1%, levando a um incremento da taxa real de juros (a taxa nominal menos a expectativa de inflação), que traria a inflação de volta à trajetória. Caso o BC não siga esta regra, a inflação não retorna à meta e tende a reproduzir a inflação passada, mas, como deve ficar claro, a indexação seria, neste contexto, conseqüência e não causa do descontrole inflacionário.
Não há, contudo, indicações de que o BC brasileiro tenha adotado tal postura; pelo contrário, houve elevação da taxa real de juros. Por outro lado, o problema pode estar relacionado à velocidade de ajuste da taxa de juros, em particular à adoção de uma política de aperto muito gradual.
É possível mostrar que, com ajustes mais lentos da taxa de juros, a melhor expectativa para a inflação futura seria uma média ponderada entre a meta de inflação e a inflação passada, mesmo se o BC gozasse de plena credibilidade acerca de seu compromisso com o meta. Adicionalmente, quanto mais gradual fosse o ajuste da taxa de juros, tanto maior seria o peso atribuído à inflação passada na formação das expectativas. A intuição é simples: se o BC prefere, como sua comunicação deixa claro, promover um retorno lento da inflação à meta, os agentes ajustarão suas expectativas para refletir este processo e, mais uma vez, a indexação será resultado da postura de política monetária.
Vale dizer, ainda que seja compreensível que o BC reclame da indexação quando tenta baixar a inflação, não pode fugir da responsabilidade de ter acordado o leão adormecido.
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