A culpa dos outros
Economia

A culpa dos outros


Quando a inflação se acelera, ocorre também uma inflação de desculpas: ou choveu demais (ou de menos), ou o preço do tomatinho subiu, ou ainda era o gramado que estava pesado. Em momento algum se admite que possa ocorrer algum processo sistemático que explique as variações da taxa de inflação. A impressão é que se trata de um conjunto de acidentes que guardam entre si pouca relação.


No entanto, caso a elevação de preços derivasse da combinação de vários choques aleatórios de preços, alguns subindo, outros caindo, o comportamento temporal da inflação deveria ser muito diferente daquilo que os dados mostram. Num caso extremo, a inflação oscilaria ao redor de zero. Em casos menos exagerados, poderíamos até registrar valores diferentes de zero, mas não elevação ou queda contínua da inflação.

Na prática não observamos nada que se assemelhe a isso. Há períodos de redução continuada da inflação, bem como momentos de aceleração duradoura. Concretamente é muito difícil conciliar a visão “acidental” do processo inflacionário, que atribui sua variação ao efeito de choques, com a observação de movimentos persistentes da taxa de inflação em ambas as direções. Pelo contrário, isto parece indicar que há causas mais profundas, sistemáticas, do comportamento da inflação, a menos que alguém decida acreditar que, de tempos em tempos, os acidentes resolvam ocorrer todos do mesmo lado.

Uma alternativa é a visão que atribui as variações da taxa de inflação ao nível de “folga” sob o qual a economia opera. Assim, em situações de elevada ociosidade de capital e trabalho a inflação tenderia a cair (sob certas condições, em particular expectativas estáveis de inflação). Simetricamente, quando o desemprego se reduz e a utilização da capacidade cresce, não apenas salários tendem a subir, mas os custos também são pressionados. Empresas podem, de fato, criar um terceiro turno, como muitos argumentam, para aumentar a produção; o difícil é convencê-las a não cobrar mais por isto.

Esta tese parece explicar muito bem o comportamento da inflação no país, em particular para o período pós-2005, quando as expectativas inflacionárias ficaram mais bem ancoradas ao redor da meta, como mostrado no gráfico. Definindo o grau de utilização de recursos como a média ponderada do nível de utilização de capacidade na indústria e a taxa de desemprego, observamos que as flutuações desta variável antecipam em cerca de seis meses as variações da inflação.


Visto desta forma, não há nada de acidental na aceleração recente dos preços. A rápida superação da crise praticamente eliminou a folga criada no fim de 2008 e já estamos próximos de níveis de utilização de recursos que pressionam a inflação. Fosse, como já se afirmou, a política fiscal genuinamente anticíclica, veríamos agora um forte esforço de redução de gasto, o que certamente não ocorrerá. O BC pagará a conta e sofrerá as críticas, enquanto os responsáveis seguirão culpando as intempéries e o estado do gramado, mas jamais seu próprio comportamento.

(Publicado 14/Abr/2010)



loading...

- Quem Acordou A Fera?
A aceleração recente da inflação veio acompanhada de uma velha conhecida: a indexação, caracterizada pelo reajuste de preços e salários de acordo com a inflação passada. Nestas condições o custo para desinflacionar a economia é mais alto...

- Por Quem Os Juros Sobem
Hoje o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) deve se decidir por mais uma rodada de elevação da taxa de juros básica da economia. Não tenho dúvida que, até entre os meus 18 leitores, há mais de uma alma se perguntando por que,...

- Inflação é Contagiosa?
Em artigos anteriores mostrei que a aceleração da inflação não decorre de um aumento do preço de alimentos, mas sim de um grau crescente de utilização dos recursos (capital e trabalho), resultado de uma demanda que cresce a uma velocidade superior...

- A Inflação E O Pé De Feijão
É comum ouvir afirmações do tipo: "Se desconsiderarmos o aumento de preço do feijão (ou do leite, ou da manteiga), a inflação não seria 5% nos últimos 12 meses, mas apenas (escolha um número)%, logo" -prossegue o argumento- "o Banco Central...

- A Meta E O Coelhinho Da Páscoa
O debate sobre a possível (mas não adotada) redução da meta de inflação para 2009, mantida ontem em 4,5%, teve ao menos um mérito: mostrou que ainda há economistas no mundo que acreditam ser possível acelerar o crescimento à custa de inflação...



Economia








.