Economia
Lições esquecidas?
O governo anunciou: aumentará a base tributada pelo ISS. Pessoalmente, acho horrível. Mas o governo parece acreditar numa macroeconomia mais simples na qual se tem G - T = deficit. Ora, esta é a macroeconomia que alunos de graduação aprendem. Embora seja uma boa forma de se começar a pensar de maneira mais lógica, ordenada e científica, é uma visão
inicial do problema.
Mas, claro, qualquer aluno esperto - e qualquer professor honesto - sabe que G - T = deficit é apenas um início. Se tiramos um pouco dos
ceteris paribus e/ou incluímos fundamentos microeconômicos para cada uma destas variáveis, logo descobrimos que
quedas em G podem resultar em variações no déficit bem distintas de
aumentos em T.
Ah, para o leitor leigo: G = gastos do governo, T = receita de impostos.
Voltando ao assunto, então, veja este ótimo texto (custei a achar ele online...reproduzo-o abaixo) escrito por Delfim Netto com base numa das cartas do prof. Jorge Vianna Monteiro:
O ajuste fiscal - Antônio Delfim Netto
O professor Jorge Vianna Monteiro, do Departamento de Economia da PUC-Rio, publica há alguns anos um boletim chamado "Estratégia Macroeconômica". Trata-se de uma das mais agudas, consistentes e sofisticadas análises das inter-relações entre as questões políticas e econômicas do País, que sempre se lê com imenso proveito. No seu último número, ele levantou o problema de se saber quais são as condições de um ajuste fiscal bem-sucedido. Utilizou um magnífico artigo do economista Roberto Perotti ("The Political Economy of Fiscal Consolidations", no "Scandinavian Journal of Economics", 1998), que é uma resenha do que se sabe, empiricamente, dos ajustes fiscais exitosos.
As conclusões do artigo são:
1) A experiência do pós-guerra dos países da OCDE sugerem, fortemente, que os ajustes fiscais produzidos pela redução das despesas são muito mais consistentes do que os obtidos pela elevação dos impostos.
2) Há alguma evidência de que, quando o ajuste é realizado numa situação de grande pressão (por exemplo uma grande relação dívida/PIB ou grande déficit), ele pode não ter os dramáticos efeitos recessivos deduzidos em algumas teorias macroeconômicas.
Examinando a experiência de 20 países da OCDE, que acumulam 66 episódios de tentativa de consolidação fiscal, definida como sucesso quando o ajuste do déficit primário foi de pelo menos 1,5% do PIB e, depois de três anos, a relação dívida/PIB decresceu pelo menos 5%, os resultados de Perotti foram os seguintes:
1) Dos 66 episódios de grandes ajustes, 14 foram bem-sucedidos: foram aqueles que se apoiaram no corte das despesas, principalmente nas transferências e na folha de pagamento dos governos.
2) Os malsucedidos foram os ajustes que se fizeram pelo aumento dos impostos e pelos cortes das despesas de investimento.
3) A diferença entre os resultados dos ajustes foram significativas: nos ajustes bem-sucedidos a queda das despesas atingiu 2,2% do PIB, enquanto nos malsucedidos ela não chegou a 0,5% do PIB.
4) Nos ajustes bem-sucedidos as transferências caíram 0,5% do PIB, e a folha de pagamentos, 0,6% do PIB, enquanto nos malsucedidos elas se reduziram 0,1% e 0,4%, respectivamente.
5) Nos ajustes bem-sucedidos o aumento de impostos foi de apenas 0,4% do PIB, enquanto nos malsucedidos eles atingiram 1,3%.
6) Nos dois tipos de ajuste, os bem e os malsucedidos, a queda do déficit foi muito parecida, 2,7% e 2,2%, respectivamente. Isso mostra que é a composição, mais do que o tamanho do ajuste, que garante o seu sucesso.
A dimensão recessiva do ajuste está ligada à magnitude do seu efeito sobre a redução da taxa de juros (que, obviamente, depende do regime cambial): se ela for significativa, crescem os valores dos ativos, e o efeito "riqueza" pode produzir uma ampliação do consumo.
Essas lições são importantes para a política econômica brasileira: um ajuste fiscal vigoroso com corte de despesas de custeio e sem aumento de impostos, combinado com uma manobra cambial, pode reduzir rapidamente os juros e ser muito menos recessivo do que se espera.
Então leitor, não é legal? Existe uma versão working paper deste artigo, de 1996, aqui, no excelente NBER. Agora...será que o novo (novo? Já tem 6 meses....) governo não está perdendo uma boa chance?
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