Economia
Uma relação tão delicada
Na semana passada o Fundo Monetário Internacional publicou a versão mais recente do seu
World Economic Outlook (WEO, Panorama Econômico Mundial), documento em que discute as perspectivas para a economia global e explora alguns temas atuais de política econômica. Um deles, como, aliás, não poderia deixar de ser, refere-se aos efeitos de um aperto da política fiscal, isto é, de uma redução intencional do déficit público.
Trata-se de uma questão candente, pois a estratégia para evitar que a crise financeira se metamorfoseasse numa reedição da Grande Depressão requereu que governos ao redor do mundo elevassem seus déficits orçamentários para compensar o efeito da queda da demanda privada e, com menos sucesso, tentar reviver esta última. A combinação da expansão fiscal com taxas muito baixas de juros e medidas para impedir o colapso das instituições financeiras conseguiu evitar a repetição dos fenômenos dos anos 30, mas à custa, entre outras coisas, de uma deterioração sem precedentes (em tempos de paz) das contas públicas em vários países.
Não por outro motivo, um dos temas centrais do debate econômico refere-se a como e quando remover o estímulo fiscal, sob pena de problemas mais sérios quanto à capacidade dos governos de manter o pagamento de suas dívidas. À luz desta questão, o capítulo 3 do WEO dedica-se à exploração das possíveis consequências de um eventual aperto fiscal. Embora a discussão esteja mais voltada para os problemas fiscais dos países desenvolvidos (onde, afinal de contas, a questão é mais aguda), o relatório traz conclusões relevantes para o Brasil, em particular no que se refere ao gerenciamento da demanda interna e à taxa de câmbio.
A evidência empírica sugere que a redução deliberada (isto é, decorrente de decisões de política, e não dos efeitos do ciclo econômico sobre gasto e receitas do governo) do déficit público tipicamente tem impacto negativo sobre a atividade. Para os países desenvolvidos, que passam por um período difícil no que se refere ao crescimento, isto é má notícia. Já no caso brasileiro, em que se sabe que o ritmo atual de expansão é insustentável, um aperto fiscal, ao moderar o crescimento, aliviaria a carga sobre a taxa de juros.
Com efeito, o estudo ainda acha evidências que a redução da demanda por conta do ajuste fiscal permite que as taxas de juros também sejam reduzidas. Não é grande consolo para economias em que o juro já é praticamente zero, mas, em nosso caso, os efeitos podem ser consideráveis. Isto não significa apenas que a queda da demanda interna privada (consumo e investimento) é atenuada, mas também que a taxa de câmbio tende a se depreciar e que a demanda externa (exportações menos importações) também tende a reagir positivamente, suavizando o efeito da contração fiscal.
Ademais, quando o ajuste fiscal ocorre pela redução da despesa pública, estima-se que o efeito sobre a redução dos juros seja maior do que o decorrente de um aumento de impostos, o que se traduziria também em depreciação mais vigorosa da taxa de câmbio. A bem da verdade, inclusive, o trabalho indica que a contração da atividade neste caso não é estatisticamente significativa, sugerindo que a redução da demanda interna poderia ser compensada pela expansão mais vigorosa das exportações líquidas.
Em suma, o estudo do FMI mostra que, ao contrário do que afirmam alguns, o ajuste fiscal tem sim uma relação muito clara e direta com taxa de juros e a taxa de câmbio, em particular se baseado na redução do gasto corrente.
No entanto, é justamente no mundo político que o entendimento desta relação tão delicada ainda inexiste e a política fiscal continua sendo visto apenas pela ótica parcial da estabilidade da dívida pública. Sem esta compreensão, as chances de um ajuste significativo permanecem tristemente insignificantes.
(Publicado 13/Out/2010)
Mas política fiscal afeta câmbio?
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