Ricardo Lacerda
Em seminário comemorativo pelos cinquenta anos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 2002, no painel dedicado ao tema distribuição de renda- redução das disparidades regionais, palestrantes e debatedores não se mostraram muito otimistas em relação às perspectivas de desenvolvimento do Nordeste.
Os painelistas argumentavam que as transformações em curso naquele momento eram todas desfavoráveis às possibilidades de desenvolvimento das regiões mais pobres: a abertura comercial e a consolidação do Mercosul; a mudança na concepção do estado e o papel do processo de privatização de empresas; e as mudanças na tecnologia, com a liderança das tecnologias de informação e da comunicação e seus impactos em termos de reestruturação das cadeias produtivas globais.
Concluíam os especialistas pela tendência da reaglomeração da atividade industrial nas regiões que possuíam melhor base econômica, especialmente de estrutura industrial e de oferta de serviços e infraestrutura de conhecimento, as regiões Sudeste e Sul.
Convergência
O roteiro pessimista previsto para as disparidades regionais no Brasil, comum na década de noventa e no início da década de 2000, não se confirmou. Há poucas dúvidas de que nos últimos dez anos reduziu-se o hiato de desenvolvimento entre o Nordeste e as regiões mais prósperas, ou seja, de que a região apresentou taxas de crescimento econômico acima da média das regiões que possuem PIB per capita e renda média mais elevadas.
Apesar de a redução das disparidades ter sido significativa e de ter havido algumas mudanças de alcance estrutural na economia do Nordeste, o processo é relativamente lento.
Para buscar entender porque a evolução das economias regionais não seguiu o script pessimista previsto é necessário redirecionar o olhar para os fatores que propiciaram o movimento recente de convergência.
A mesma trajetória que mostrou para o Brasil uma evolução mais rápida no consumo, na renda e no emprego do que na produção e no investimento, se refletiu espacialmente na direção de maior crescimento das primeiras variáveis nas regiões mais pobres do que nas mais ricas.
Todavia, também nas variáveis de produção e de infraestrutura e de escolaridade, mesmo evoluindo mais lentamente do que as de renda, emprego e consumo, o Nordeste vem reduzindo o hiato em relação às regiões mais ricas, Sudeste e Sul, embora em ritmo muito distante do desejável.
Retroalimentação
Ainda que a convergência tenha sido conduzida mais pelas políticas públicas de cunho social do que proporcionada por fatores tipicamente econômicos, a expansão recente pode ter engendrado importantes efeitos de retroalimentação.
O crescimento recente da região Nordeste tem o potencial de gerar efeitos significativos de causação cumulativa, por meio da ampliação do tamanho de mercado e na formação de ativos tangíveis e intangíveis, abrindo uma janela de oportunidade para mudar a realidade econômica e social da região.
A ampliação recente do mercado de consumo no Nordeste e os avanços ainda que relativamente restritos no seu capital social básico abrem um período de oportunidades para induzir um movimento de convergência de níveis de desenvolvimento em relação às regiões mais prósperas.
Há ainda que serem consideradas as forças associadas à própria expansão da economia no país que pode encontrar na região uma fronteira de expansão tanto em termos de mercado, quanto de força de trabalho e de disponibilidade de recursos produtivos.
Renda média
De outra parte, a chamada armadilha de renda média se coloca em termos diferentes entre as regiões brasileiras, diante da ampla disponibilidade de oferta de mão-de-obra nas áreas mais pobres do país.
Enquanto nas regiões mais prósperas o crescimento do produto depende em maior grau de ganhos de produtividade da força de trabalho já ocupada, nas regiões mais pobres persiste um grande contingente de trabalhadores subocupados ou ocupados em atividades de produtividade muito baixa, o que propicia um espaço de crescimento econômico ainda amplo por meio da incorporação desse contingente ao mercado formal. Diante do baixo grau de formalização do trabalho na região, há um importante potencial de crescimento associado à absorção de mão-de-obra em atividades de produtividade relativamente mais elevadas em diversos setores de atividade.
A relocalização de atividades intensivas em trabalho, tanto nos segmentos industriais como nas de serviços, vindas de outras regiões para o Nordeste, em parte repercutiu essa diferença regional no mercado de trabalho e deve perdurar nas próximas décadas, concorrendo para elevar a produtividade média da economia regional, com um papel importante no crescimento da renda média.
É razoável mesmo supor que esse fator deva ganhar maior proeminência no futuro próximo do que no passado recente, na medida em que a pressão no mercado de trabalho no Brasil deve elevar o custo da força do trabalho.
Agenda de desenvolvimento
Isso não significa, todavia, que a região, que conta com atividades relativamente sofisticadas em seus principais centros urbanos, não deva apostar em atividades de elevado conteúdo tecnológico. É necessário compatibilizar, como de resto no conjunto do país, mas em grau ainda maior, a expansão de atividades capazes de incorporar esse contingente, com atividades de conteúdo tecnológico mais elevado que tais centros urbanos têm possibilidade de hospedar e desenvolver. Esforços moderados a altos para elevar a qualificação dos recursos humanos trariam grandes resultados positivos.
Entendemos que o crescimento econômico do Nordeste nos últimos dez anos abriu uma janela de oportunidade para que a região estreite de forma significativa o largo hiato de desenvolvimento que acumulou historicamente em relação às regiões mais ricas.
Cabe registrar, todavia, que o impulso de convergência refluiu após a eclosão da crise financeira em 2008, em parte por conta da desaceleração do próprio ritmo de crescimento econômico do país, quase que congelando as posições relativas em alguns indicadores.
O desafio é suprir as carências sociais e econômicas dos estados nordestinos, enfrentando a questão da pobreza de sua população e dotando a região dos fatores econômicos para elevação desses indicadores aos mesmos padrões das regiões mais ricas. Isso envolve a ampliação e melhoria das políticas públicas de educação e saúde, investimentos em infraestrutura física (os ativos tangíveis) e em qualificação profissional e ciência e tecnologia (os ativos intangíveis), mas, igualmente, a utilização de poderosas políticas de indução de investimentos para a região, para que nela sejam erigidas partes significativas das novas estruturas produtivas do país, sejam as relacionadas aos investimentos da cadeia energética, desde as atividades de petróleo e gás às energias renováveis, sejam outras atividades também de maior conteúdo tecnológico.
Publicado no Jornal da Cidade, em 02/02/2014
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