Economia
Um cenário pessimista.
Hoje,
na FOLHA DE S. PAULO, uma entrevista pessimista com o professor de
economia e ciência política Barry Eichengreen.
Ele
está pessimista com o cenário que se desenha para a economia mundial. O aprofundamento
da crise de confiança na Europa com o que ele vê como a provável saída da
Grécia da zona do euro é a pior de suas expectativas, mas não a única ruim.
Os
EUA continuam tropeçando na regulamentação do sistema bancário -- ao menos no
médio prazo, um desejo mais do que uma realidade -- e os mercados emergentes
ainda não dão conta de puxar o crescimento mundial como se esperava há meses.
Eichengreen,
que leciona na prestigiosa Universidade de Berkley e dá palestra a convidados
nesta quarta em São Paulo, está tão pessimista que está revendo seu livro mais
recente, "Privilégio Exorbitante" (Campus, 2011) para corrigir a
"expectativa superestimada" para a moeda única europeia e seu papel
no mercado global.
"Ninguém
que escrevesse há dois anos poderia imaginar quão incompetentes seriam os
esforços da Europa em lidar com a crise seriam", disse ele à Folha.
Folha - Há um desencanto nos últimos meses com os
mercados emergentes, particularmente com o Brasil, após taxas de crescimento
mornas. O "hype" foi exagerado ou os emergentes não deram conta de
puxar o crescimento global sozinhos, como alguns esperavam?
Barry
Eichengreen - O "hype" foi excessivo, sem dúvida. Muito do que vimos
reflete o crescimento insustentavelmente alto da China, que alimentou sua
demanda por exportações de produtos básicos do Brasil e da Rússia. Nenhuma
economia cresce a 10% ao ano para sempre.
Também
acho que economias como o Brasil poderiam ter feito mais para conter o
crescimento dos gastos e o endividamento da população nos momentos de pico,
para que houvesse mais espaço hoje para incentivar os gastos domésticos.
Um ano e meio após o lançamento de "Privilégio
Exorbitante", o sr. acrescentaria algo à sua análise? Vimos o dólar se
recuperar, em alguma medida, mas os obstáculos a manutenção de seu status como
moeda internacional continuam lá.
A
nova edição, que sai no mês que vem, terá um prefácio que responde isso.
Claramente, o livro superestimou a perspectiva do euro em emergir como uma
moeda internacional de primeira linha -- e ninguém que escrevesse há dois anos
poderia imaginar quão incompetentes seriam os esforços da Europa em lidar com a
crise.
Mas
ele também subestimou o progresso que a China faria em internacionalizar o
yuan. As iniciativas políticas mais recentes são impressionantes, e o yuan está
aí, mais rápido do que se imaginava.
Apesar
do debate sobre regulamentação do mercado financeiro, ainda há muita
resistência dos grandes bancos privados. Episódios recentes, como o do HSBC,
mostram que estamos longe do equilíbrio, embora haja mais atenção ao tema.
O que é necessário, no curto prazo, para garantir que o
sistema financeiro não provoque outra crise, e quais são os obstáculos à
regulamentação efetiva?
Os
bancos são politicamente poderosos; nos EUA eles são grandes doadores e fazem
parte das Comissões Bancárias do Senado e da Câmara, que criam as leis de
regulamentação. Com isso, não surpreende que não tenha acontecido uma varredura
dessas instituições nem mesmo depois da crise.
Eu
gostaria de ver os grandes bancos quebrarem, a reinstituição adequada da Lei
Glass-Steagall [promulgada em 1933 para conter a especulação e revogada em
1999] e exigências de capital muito maiores para esses bancos. Mas sou cínico
demais para acreditar que ocorra na minha geração.
Alguns analistas e economistas preveem um colapso do
euro. O sr. vê esse risco? E se as economias menores e mais problemáticas, como
a Grécia, deixarem a zona do euro, isso pode levar a um colapso total ou, ao
contrário, tornaria os demais países-membros mais saudáveis?
Certamente
o risco está lá, menos pelas razões econômicas (os passos econômicos que a
Europa precisa para resolver a crise são claros) e mais por razões políticas.
Há
uma deterioração da confiança política na Europa: os países não confiam uns nos
outros, e a população não confia em seus governos. Isso torna muito difícil,
embora não impossível, implementar as políticas econômicas necessárias.
A
essa altura, a saída da Grécia da zona do euro é praticamente certa, não porque
não haja medidas econômicas para evitá-la, mas porque não há mais desejo
político de evitar. Isso vai prejudicar o restante da zona do euro.
Uma
vez que um país possa sair, os investidores começarão a perguntar qual é o
próximo. A falta de confiança virará um problema que levará muito tempo para se
resolver.
Qual seria a consequência de um colapso?
Honestamente,
ninguém sabe, pois nunca houve o colapso de uma união monetária. Duvido que
seja um processo ªadministrávelº. Os estragos seriam muito mais graves do que
os causados pelo fim da conversibilidade na Argentina, em 2001-2 [quando o país
abandonou a paridade cambial com o dólar e deu calote].
E se tudo der errado com o dólar e o euro, o que países
como a China e o Brasil teriam de fazer para que suas moedas de fato se
tornassem moedas internacionais?
Não
acho que nem o yuan nem o real possam ser moedas internacionais de peso nos
próximos 10 ou 20 anos. O Brasil e a China teriam de aumentar a escala de seus
mercados financeiros, aumentar sua liquidez e fortalecer a estabilidade
macroeconômica. A China teria de abrir comercialmente seus bancos e abandonar
os controles de capital. O Brasil teria de acabar com os impostos à entrada de
dinheiro estrangeiro. É um processo que levaria décadas, e não anos.
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