Romney não está preocupado.
Economia

Romney não está preocupado.



Paul Krugman, no The New York Times, aqui publicado pela FOLHA. 

Se você é norte-americano e está enfrentando um período de dificuldades, Mitt Romney tem uma mensagem a lhe transmitir: ele não se incomoda com o seu sofrimento.

No começo da semana, Romney declarou a um entrevistador da rede de notícias CNN que "não estou preocupado com os muito pobres. Temos uma rede de segurança para atendê-los". O entrevistador não conseguiu ocultar seu espanto.

Diante das críticas que a declaração causou, o candidato alegou que não tinha querido dizer o que pareceu ter dito, e que suas palavras haviam sido tiradas do contexto. Mas era evidente que ele quis dizer o que disse. E quanto mais você considerar o contexto da declaração, pior a situação fica para ele.

Primeiro, alguns dias antes Romney negou que os programas de assistência aos pobres que ele posteriormente mencionaria como motivo para não se preocupar estivessem ajudando de maneira significativa.

Em 22 de janeiro, ele declarou que os programas de rede de segurança --sim, foram suas palavras liberais-- tem "imensos custos fixos" e que, devido ao custo de uma imensa burocracia, "parte relativamente pequena do dinheiro necessário àqueles que realmente precisam de ajuda, aqueles que não têm como cuidar de si mesmos, chega realmente a eles".

A alegação, como boa parte do que Romney diz, é completamente falsa.

Os programas norte-americanos de assistência aos pobres não têm burocracia ou custos fixos excessivos, ao contrário, por exemplo, das companhias privadas de seguros.

Como documentou o Centro de Prioridades Orçamentárias e Políticas, de 90% a 99% do dinheiro destinado aos programas de rede de segurança chegam realmente aos beneficiários.

Mas, mesmo desconsiderada a desonestidade de sua alegação inicial, como pode um candidato primeiro declarar que os programas de rede social não ajudam e depois, dez dias mais tarde, dizer que eles cuidam tão bem dos pobres que não há motivo para preocupação quanto ao bem-estar destes?

Além disso, se considerarmos essa imensa mancada quanto ao funcionamento real dos programas de rede de segurança, como poderíamos confiar na declaração de Romney de que consertaria a rede de segurança caso ela precisasse de reparos, depois que ele afirmou não estar preocupado com a situação dos mais pobres?

A verdade quanto a isso é que a rede de segurança precisa de reparos.

Ela oferece grande ajuda aos pobres, mas ainda assim não o suficiente.

O programa federal de saúde Medicaid, por exemplo, oferece tratamentos essenciais a milhões de cidadãos desafortunados, especialmente crianças, mas muita gente passa sem assistência.

Entre os norte-americanos cuja renda anual fica abaixo dos US$ 25 mil, mais de um quarto --28,7%-- não contam com qualquer forma de seguro-saúde. E não, eles não podem compensar essa falta de cobertura recorrendo aos prontos-socorros.

Da mesma maneira, os programas de assistência alimentar ajudam muito, mas um em cada seis dos norte-americanos que vivem abaixo do limiar da pobreza sofre de "baixa segurança alimentar".

A definição para essa condição é a de que "o consumo de alimentos é reduzido em determinados períodos do ano porque os domicílios não dispõem de dinheiro ou outros recursos para comprar comida". Em outras palavras, essas pessoas passam fome.

Por isso, precisamos reforçar nossa rede de segurança. Mas Romney deseja, na realidade, enfraquecê-la ainda mais.

Especificamente, o candidato apoia o plano do deputado Paul Ryan para cortes drásticos nos gastos federais, e dois terços desses cortes aconteceriam em detrimento dos norte-americanos de baixa renda.

E, se Romney diferenciou sua postura da adotada por Ryan, foi no sentido de cortes ainda mais severos na assistência aos pobres: sua proposta para o Medicaid parece envolver redução de 40% nas verbas, ante a distribuição atual.

Assim, a posição de Romney parece ser a de que não precisamos nos preocupar com os pobres graças a programas que ele insiste, falsamente, não ajudarem os necessitados, e que de qualquer modo ele pretende destruir.

Ainda assim, acredito em Romney quando ele se declarara despreocupado quanto aos pobres.

O que não acredito é quando ele se declara igualmente despreocupado quanto aos ricos, que estão "se saindo bem", segundo ele. Afinal, se ele acredita realmente nisso, por que propõe lhes dar ainda mais dinheiro?

E estamos falando sobre muito dinheiro. De acordo com o Centro de Política Tributária, uma organização apartidária, o plano tributário de Romney na prática elevaria os impostos de muitos norte-americanos de renda mais baixa e reduziria acentuadamente os impostos dos mais ricos.

Mais de 80% da redução de impostos beneficiaria pessoas que ganham mais de US$ 200 mil ao ano; e cerca de metade se destinaria àqueles que ganham mais de US$ 1 milhão ao ano.

O benefício tributário médio para os membros do clube do milhão seria uma redução de US$ 145 mil em seus impostos anuais.

E essas grandes isenções criariam um enorme rombo no orçamento, elevando o deficit em US$ 180 bilhões ao ano --o que tornaria necessários os severos cortes nos programas de rede de segurança.

O que nos conduz de volta à despreocupação de Romney. Podemos afirmar, sobre o ex-governador de Massachusetts e presidente da Bain Capital, que ele está desbravando fronteiras na política norte-americana.

Até mesmo os políticos conservadores costumavam considerar necessário fingir preocupação com os pobres. Vocês se lembram do "conservadorismo compassivo"? Romney, porém, deixou de lado esse fingimento.

Se as coisas continuarem assim, logo teremos políticos que admitem aquilo que parece óbvio há muito tempo: eles tampouco se preocupam com a classe média, e não estão e nunca estiveram preocupados com a vida dos norte-americanos comuns.



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