Receita para crises financeiras
Economia

Receita para crises financeiras


Um padrão reconhecível nas várias crises financeiras, desde o início do sistema capitalista, é a postura de fragilidade financeira tomada pela maioria dos agentes de uma economia. O padrão foi inicialmente concebido pelo economista Hyman Minski e pode ser visto na excelente obre do economista Charles Kindleberger denominada “Manias, Pânicos e Crises”. O processo se dá nas seguintes fases: deslocamento, euforia, mania, reação violenta e pânico.
O deslocamento é um choque exógeno que dá início a um processo de especulação com algum ativo da economia. O ativo pode assumir diversas formas, dependendo da época e do lugar (já houve especulação e crise financeira através do comércio de tulipas!). Este choque pode ser uma guerra, mudanças de ordem política ou até mesmo uma política monetária. O importante é a atuação do endividamento e da posterior deterioração financeira, para que haja uma crise financeira. Desta forma, geralmente a liberalização financeira, no sentido de menor coordenação central aos bancos; desintermediação bancária; diminuição da aversão ao risco por parte dos emprestadores; e crédito fácil e barato são passos da receita para que um país possa ter uma crise financeira que inicie em seu interior (já que não há sentido em falar em crise financeira interna, pois pela globalização financeira, efeitos de contágios de expectativas e efeitos de caixa tendem a espalhar crises do país de origem para outros).
Por exemplo, uma redução da taxa básica de juros (política monetária) pode tornar o crédito barato, o que somado à falta de coordenação (necessidade na presença do mercado, que é ineficiente por si próprio) e à presença de um ciclo de crescimento econômico fazem surgir ativos de interesse à especulação. Isto porque para emprestadores, com a queda na taxa de juros, precisam procurar novos meios de render seu “capital”.
A segunda parte da receita é a euforia. A especulação já começada, impulsiona o crescimento do preço do ativo-objeto de especulação. Com o preço subindo, os investidores expectarão maiores receitas, alavancando suas posições financeiras, por meio da contratação de empréstimos para investir no ativo na alta. Esta alavancagem (capital de terceiros/capital próprio) chega a limites que tornam instáveis a posição do tomador. Porém os bancos, com menor aversão ao risco, devido ao ciclo de crescimento econômico e a ausência de regulação, continuam a emprestar. Este processo continua a pressionar para cima o preço do ativo-objeto. Enquanto isso, em termos macroeconômicos, havendo a presença de capital externo no mercado do ativo-objeto, pode ocorre a apreciação da moeda do país-se do ativo-objeto, dependendo do volume de transações, principalmente em termos monetários (estamos considerando aqui, apenas aquelas especulações instáveis em volume grande o bastante para gerar uma crise, via contágio e caixa – termos que serão explicados mais à frente). Com a apreciação cambial, há a deterioração da conta de transações correntes do país-sede.
Na terceira fase, denominada mania, começam a entrar no mercado pequenos investidores, pessoas que começaram a ver possibilidades de ganhos na especulação com o ativo-objeto. Estes nem necessitam se endividar para passar a uma posição de instabilidade financeira: qualquer perda que possam incorrer é mais que suficiente, na maioria dos casos, para lhes tornar insolventes, com posição deteriorada.
Na quarta fase, denominada reação violenta, ocorrem dois processos, um dentro do mercado e outro fora. Dentro do mercado, há a realização de lucros e a saída de alguns investidores com consideráveis valores monetários. Isto gera a queda na taxa de crescimento do preço do ativo-objeto. Os demais, com uma posição financeira alavancada, que dependem das receitas provindas do crescente preço do ativo-objeto, para cobrir os débitos com a amortização do principal e dos juros, começam a ter dificuldades em pagar seus débitos mensais. Tornam-se impelidos a renegociar periodicamente os juros, pagando apenas o principal. Neste período, dado que o crescimento do preço do ativo-objeto é acompanhado pelo crescimento dos preços de outros ativos na economia e, conseqüentemente, do nível geral de preços, a autoridade monetária procederá com o aumento da taxa básica de juros, de forma a conter a inflação. Enquanto isso, aqueles que estão renegociando suas dívidas passam a ter maiores dificuldades, visto que os juros para a contratação crescem juntamente com a taxa básica.
A taxa de variação dos preços passa, com a saída de mais investidores do mercado, a apresentar valores negativos. Esta é a EXPLOSÃO DA BOLHA. A deterioração financeira da maioria dos agentes leva ao crescimento da inadimplência. O contágio de caixa atua sobre os emprestadores, que agora passam a apresentar situação próxima da insolvência. Este fato gera o contágio de expectativas, onde os agentes esperando a quebra das instituições financeiras, pelo medo de perderem sua riqueza depositada nestas, dão início à crise por meio da fase denominada “pânico”.
A crise financeira inicia com o pânico, pois sabendo que a maioria da moeda disponível é escritural (apenas eletrônica) e que nunca há liquidez para que todos “facharem” suas posições, as pessoas correm para os bancos retirar seu dinheiro. É a chamada corrida por liquidez. Esta corrida é uma profecia auto-realizável: as pessoas, dado o contágio de expectativas, acreditam que os bancos vão “quebrar” e acabam fazendo isto acontecer realmente.
Assim, após a bolha explodir, vem a crise bancária. A quebradeira de bancos pode gerar uma estagnação enorme na economia, pela falta de crédito, mas o principal problema nesta fase é pelo contágio de expectativas: a preferencia por liquidez na economia é de tal forma que mesmo que a autoridade monetária tente fornecer esta liquidez, a mesma se “esvai” pelo canal do mercado financeiro internacional para outros países com maiores remunerações. É um processo similar à armadilha da liquidez de Keynes. Há, agora uma crise no balanço de pagamentos, pela fuga dos capitais que financiavam a posição contábil de déficit na conta de transações correntes, acompanhado de uma desvalorização externa da moeda do país-sede sem que seja tal acompanhada pela desvalorização interna, via aumentos nos níveis gerais de preços internos.
Solução deve ser encontrada em duas fases. Primeiro, deve-se resolver a crise bancária e, em seguida, o déficit na conta de transações correntes, de forma a não depender da conta de capitais para zerar o Balanço de Pagamentos.
A crise financeira pode ser amenizada e eliminada, com a eliminação da crise bancária: deve haver um emprestador de última instância que garanta aos agentes econômicos: “vai haver dinheiro para todos, vai haver liquidez para todos, iremos garantir isto”. Este pronunciamento deve ser acompanhado pela demonstração através de sucessivas quedas na taxa básica de juros da economia. Isto ajuda a amenizar a crise financeira e, a longo prazo, a crise econômica que a primeira possa ter criado, por meio de aumento do nível de investimentos e seu efeito multiplicador.
Deve haver a criação, ao mesmo tempo, do mercado do ativo-objeto, de forma a estancar o sangramento da ferida aberta. Na próxima semana, faremos uma análise da crise nos EUA, fazendo um paralelo com o que foi exposto aqui.

Se alguém quiser deixar seu comentário ou possuir dúvidas a respeito desta “receita”, deixo claro que terei o enorme prazer em responder a suas questões. Disponho, também, meu e-mail caso queiram fazer contato direto: [email protected] a respeito do assunto ou de outros que eu tenha exposto aqui ou no site Mundo RI Negócios e Relações Internacionais.



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