Economia
Será que poupança causa investimento?
Bom dia a todos,
Venho aqui publicar texto de um colega do curso de economia da UCS, pós-keynesiano, Ederson Grandi, o qual fará parte da equipe a desenvolver o futuro site Economia Prática. É gratificante notar que a chama da participação dentro de minha Universidade não se extinguiu por completo. Seja bem-vindo. Agora, vamos para o texto.
Existe uma diferença importante entre a poupança em termos macroeconômicos e microeconômicos. Em termos microeconômicos, a evolução conceitual se inicia pela lógica seguinte: um consumidor não decide o quanto vai poupar, mas sim o quanto vai gastar, principalmente se este consumo está relacionado à renda corrente, pois para ele, a mesma não é conhecida ex-ante, momento em que toma a decisão. De igual forma, uma empresa não decide o quanto dos lucros não vai distribuir, mas sim o quanto em termos monetários pretende gastar (com investimentos), os lucros também não são conhecidos ex-ante, apenas esperados. Assim sendo, a poupança corrente é um resíduo da renda corrente.
Em termos macroeconômicos, a poupança agregada não representa o que não é gasto, mas o que não é dependido em bens de consumo, mas acaba sendo com bens de investimento. A poupança não é requisito ao investimento. O investimento, pelo efeito multiplicador gera a renda agregada que, descontado o consumo, é igual à poupança agregada. Ou seja, o investimento causa a poupança. Mesmo em se tratando das decisões individuais de poupança, se todos os indivíduos deixassem de consumir determinada quantia, de forma a satisfazer uma data taxa de investimento, prevaleceria a falácia da composição: o todo não é o mesmo que a soma das partes.
O impacto agregado de das decisões individuais de abstenção do consumo não seria de uma maior taxa de poupança agregada. O consumo de varias pessoas se reduzindo atingiria as expectativas de lucro dos empresários, que reconsiderariam seus planos de investimento. É o que a professora Joan Robinson denominou como o Paradoxo da Parcimônia: a soma do resultados das decisões individuais de não consumir repercutiriam em menor demanda agregada, menor investimento e, como a popança é um resíduo da renda agregada e contabilmente igual ao investimento, menor poupança, também.
A poupança agregada é uma variável contábil, que tanto não está relacionada à soma das poupanças individuais, como o seu cálculo, conforme Além e Giambiagi expõem, é apenas residual. Calcula-se primeiro a formação bruta de capital fixo, através de proxies como índices de produção de bens de capital e de materiais da construção civil.
Como contabilmente a poupança é igual ao investimento, obtém-se a taxa de poupança agregada. Subtraindo desta taxa de poupança agregada as variáveis que são conhecidas diretamente (resultado do governo, excluídos os investimentos e o saldo da conta de transações correntes de bens e serviços não fatores), obtêm-se a taxa de poupança privada. Esta é um resíduo, que depende dos resultados do governo, que não tem relação alguma com decisões de poupança, e dos resultados da conta corrente, que dependem da taxa de cambio real efetiva, do nível de renda nacional e do resto do mundo, que também não possuem relação alguma com poupança.
A poupança privada é calculada indiretamente e não representa um impasse ao investimento. A única restrição externa, que não tem a ver com poupança, se relaciona a déficits em conta corrente. Estes são transações (gastos) com o resto do mundo que alguém tem que pagar. O não pagamento destes déficits, com um influxo de capitais externos pode tornar o país insolvente com o resto do mundo, mas não tem efeitos diretos sobre o investimento. Estudos empíricos demonstram que é a renda agregada quem tem se ajustado, no curto prazo, para equilibrar o balanço de pagamentos, e o investimento se ajusta à renda .
Outra definição a se fazer é de que, enquanto a poupança, individual e agregada, como definidas anteriormente, são resíduos de um fluxo, possuem a mesma característica. Em contraste, tem-se a definição de poupança financeira, caracterizado por ser um estoque formado pelo saldo das aplicações financeiras de cada agente econômico. Estes depósitos não são poupança (resíduo da renda), pois englobam depósitos à vista que incluem saldo de capital de giro cedido pelos bancos, o qual se multiplica no sistema financeiro e créditos de vendas gerados pelo consumo, o que incorreria em dupla contagem. Este estoque pode aumentar por ilusão monetária, dada a indexação de alguns títulos que a compõe, sem que haja um aumento na poupança (fluxo). Há aumentos, por dupla contagem, deste estoque quando os títulos financeiros inicialmente negociados em mercados primários, passam por mercados secundários, com negociações de seus derivativos, sem que haja um aumento da poupança (fluxo).
Enfim, segundo Keynes:
O empresário, quando decide investir, tem de se satisfazer em dois pontos: primeiro, deve poder obter um financiamento de curto prazo suficiente durante o período de produção do investimento; e, em segundo lugar, deve poder eventualmente consolidar, em condições satisfatórias, as obrigações de curto prazo através de emissões de títulos de longo prazo. Vez ou outra, o empresário pode utilizar-se de recursos próprios ou fazer emissão de longo prazo diretamente, mas isso modifica o volume de financiamento, que tem de ser encontrado pelo mercado como um todo, mas apenas o canal pelo qual chega ao empresário e a probabilidade de que parte do volume possa ser levantado pela liberação de dinheiro do próprio bolso ou do resto do público.
O empresário deverá contar, quando decide investir, com financiamento por meio de crédito bancário até que o investimento se mature. Assim que o empresário realiza o gasto de investimento, a liquidez adicional criada pelo crédito desaparece, com a renda em nível superior. Os recursos liberados pelo crédito, acabam novamente nos bancos, quando usados como meio de pagamento, ou através de aplicações, completando o circuito monetário e estando disponível a novos demandantes deste. Quando algum agente econômico detém moeda ociosa e se um mesmo valor de recursos, em comparação à demanda anterior for demandada, caberá aos bancos decidirem ceder ou não esta moeda adicional, o que então causará variações nas taxas de juros.
Não havendo este financiamento, não há investimento: ele é necessário para cobrir os gastos pré-operacionais, a compra de equipamentos, de estoques de matéria-prima e insumos, construção civil, salários, etc. Estes investimentos não fornecerão a receita adicional até cheguem à maturidade. O financiamento, que antes de se realizarem os gastos de investimento, constituem-se em liquidez adicional na economia, pode gerar explicações equivocadas, como a monetarista. Nesta interpretação errônea, se considerando uma defasagem desde a concessão do financiamento até a sua destruição, quando volta aos bancos, a oferta monetária causaria os preços e o produto.
Porém, ao realizar este financiamento, o empresário deve esperar contar ou com a possibilidade de possuir recursos próprios para pagar o débito ou de conseguir realizar emissões de dívida de longo prazo, por meio de debêntures, ações, etc. Este processo, denominado por Keynes como consolidação, os passivos de curto prazo seriam transformados em passivos de longo prazo. A partir de então, com a intermediação financeira, deve-se conseguir vender a investidores institucionais estes títulos, por meio de um mercado de capitais desenvolvido e acessível.
O empresário, na expectativa de não poder consolidar suas dívidas, deve no mínimo, contar com recursos próprios. Aqui entram em cena as variações de preços. Havendo capacidade instalada ociosa, haverão aumentos de quantidades (e, consequentemente da utilização da capacidade instalada) e de preços, que gerará um aumento nas taxas de lucro, oferecendo esta capacidade de autofinanciamento. Não havendo capacidade instalada, e dado que os novos investimentos ainda não amadureceram, o autofinanciamento exige uma redistribuição da renda, em favor dos capitalistas e em detrimento dos trabalhadores, através de aumentos de preços (leia-se da taxa de mark-up), maiores que caso houvesse capacidade ociosa. O autofinanciamento via preços, com a elevação da taxa de mark-up irá até o ponto em que as expectativas dos empresários convergirem na visão de uma intervenção governamental via política monetária restritiva, ou que os novos níveis de preços tornem os produtos domésticos menos competitivos em relação aos internacionais.
Desta forma, o autofinanciamento ocorre em qualquer economia, sendo os aumentos nos índices gerais de preços maiores se não houver capacidade ociosa, ou se iniciando a disputa distribucional da renda. Outra conclusão importante é a de que não havendo meios de consolidação dos passivos de curto prazo em uma economia, a estrutura empresarial passa por um processo de fragilização financeira, maiores níveis de inadimplência e, maiores variações percentuais nos índices de preços vis-à-vis países com um mercado de capitais desenvolvido e acessível.
Outro fato marcante é de que se as preferências por liquidez individuais forem tais que não permitam a venda dos títulos para efetivar a consolidação, os bancos reduzirão inicialmente suas margens de segurança, enquanto sua reserva de provisão para devedores duvidosos persistir às crescentes inadimplências que se seguirão. Após, reduzirão o nível de crédito que ofertarão, a fim de recomporem suas margens de segurança. Aos empresários restará arrolarem suas dívidas, na esperança de que a autoridade monetária não atue com política monetária restritiva, encarecendo o custo do crédito, que lhes fragilizaria mais ainda.
Também esta abordagem remete a uma questão mais importante: uma política monetária restritiva, aumentando as taxas de juros, tende a encarecer o serviço das dívidas. Quanto mais títulos pós-fixados constituírem o estoque, mais se elevam as necessidades de recursos para cobrir o serviço da dívida. Desta forma, um aumento da taxa básica de juros (base para as demais taxas de juros bancárias) pode gerar uma necessidade de os empresários assegurarem recursos, com a elevação das taxas de mark-up e, consequentemente, dos preços.
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