Economia
Portugal: "Fora de Serviço"
Há algumas semanas, o eventual racionamento de arroz nas superfícies comerciais nacionais levou-me a questioná-lo se tal possibilidade se assemelhava a uma cena de um filme de ficção científica, numa espécie de cenário pós-apocalíptico.
Que dizer então, há poucos dias, quando a generalidade dos víveres (e em especial, os perecíveis) rareavam nos supermercados, o peixe não chegava (ou não saía) das lotas, as bombas de gasolina de muitas cidades do País não conseguiam assegurar o abastecimento de combustíveis aos cidadãos.
Se o Primeiro-Ministro esperava que o País lhe desse descanso em Junho e colocasse sobre o conjunto do território nacional uma enorme placa virtual – “Encerrado para o Euro” -, Portugal parece ter mergulhado nestas primeiras semanas de Junho nessa mesma lógica de paralisação, mas com recurso à mensagem: “Fora de Serviço”.
Como é sabido, este cenário resultou dos protestos realizados pelas transportadoras rodoviárias em todo o País e pelos múltiplos bloqueios e piquetes de camionistas em greve em várias localidades, com as consequências trágicas que foram também amplamente divulgadas.
Apesar do posterior serenar dos ânimos e do progressivo regresso à normalidade nas bombas de gasolina e nas diversas superfícies comerciais, esta aparente estabilidade não deve ser vista de forma tranquila pelo comum dos cidadãos.
Afinal, o que esteve na base da ocorrência destes protestos e das suas consequências tão gravosas para a economia e para o bem-estar dos particulares? Tal como foi noticiado, os contestatários pretendiam uma reacção do Governo ao incremento directo de custos que estavam/estão a suportar, em função do significativo aumento do preço dos combustíveis.
E poderá desde logo perguntar-se: cabe ao Governo actuar de forma a diminuir o custo de um factor produtivo que afecta vários sectores de actividade, ainda que de forma diferenciada, e ainda por cima de forma orientada para alguns?
E, tal como as empresas – que até poderiam repercutir esse aumento dos custos nos preços praticados aos seus clientes -, que fazer aos cidadãos – que “não podem” (ou pelo menos não conseguiriam com igual facilidade) exigir aumentos às suas entidades empregadoras pelo aumento do seu custo de vida?
A situação vivida na pretérita semana suscita, de facto, várias reflexões sobre a fragilidade dos pilares do sistema económico capitalista que, ainda assim, é indiscutivelmente melhor e mais justo que qualquer outro modelo alternativo.
Durante as últimas décadas, e com excepção óbvia das nações mais pobres e/ou assoladas por catástrofes naturais, crises militares ou sociais, o mundo habituou-se a viver num ambiente de abundância de recursos.
Jamais se questionou seriamente a possível exaustão das fontes energéticas, da generalidade das matérias-primas, dos bens alimentares ou da própria água.
À medida que diversos fenómenos – alguns de cariz especulativo – têm vindo a criar diversas restrições ao funcionamento destes mercados e ao acesso público a estes bens, as sociedades têm dificuldade em ajustar-se às consequências destes cenários.
No caso vertente dos combustíveis – que, como foi também visível, não se restringe a um problema doméstico que possa ser explicado pela diferença de tributação com os demais países europeus (mormente com a Espanha) -, a situação é claramente ambígua.
Por um lado, poder-se-ia admitir, como pretendia por exemplo o Presidente francês, uma certa política de redução dos custos por intervenção do Estado (através de medidas fiscais), tendo em conta o duro impacto que a escalada do preço do petróleo representa na situação económica e financeira das empresas e na gestão do orçamento dos particulares.
Mas, por outro, como fez questão de lembrar a Comissão Europeia, tais iniciativas funcionariam como estímulo para a manutenção dos níveis de consumo de petróleo e para a falta de incentivo ao recurso à produção e consumo de energias alternativas, já para não mencionar o efeito paliativo que as mesmas poderiam assumir numa lógica de agravamento futuro da presente situação.
O que nos devolve ao caso concreto de Portugal e ao protesto das empresas transportadoras.
Em primeiro lugar, porque também ficou patente a facilidade com que um único sector de actividade, quando beneficia da complacência do Governo e este abdica do exercício da autoridade do Estado, pode bloquear o modo de funcionamento da nossa sociedade com total facilidade e impunidade.
Em segundo lugar, porque além de pactuar com o lado obscuro dos protestos – nomeadamente os ataques e obstáculos levantados a quem queria continuar a trabalhar livremente -, o Governo deu um vergonhoso sinal de fragilidade e cedência à primeira onda de contestação, sem acautelar a validação da razoabilidade das reivindicações, a equidade com outros sectores de actividade e o equilíbrio e custo das contrapartidas oferecidas.
Pois é, o País voltou à normalidade. Até quando?
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