Comecemos pelo óbvio: Portugal tem, infelizmente entre outros de não menor monta, um problema gravíssimo ao nível da sustentabilidade das suas contas públicas, acumulando hoje uma dívida pública exorbitante face ao seu nível de riqueza e produção.
Resumidamente, essa dívida acumulada resulta como não podia deixar de ser de défices contínuos do seu orçamento que têm na sua origem quatro factores fundamentais: a rigidez da sua despesa corrente (nomeadamente no que concerne aos encargos com funcionários públicos), a assunção de responsabilidades incomportáveis no domínio das designadas políticas sociais, os prejuízos acumulados pelo sector empresarial do Estado e a incapacidade de angariação de receitas decorrente do incipiente dinamismo económico do País.
A juntar a estes factores poderíamos somar um outro, a falta de critério, a megalomania e os encargos associados ao investimento público, pese embora o impacto desta realidade se vá diluir pelos anos vindouros, em função das modalidades de financiamento adoptadas para a sua concretização, com realce para as parcerias público-privadas.
As consequências desta situação são devastadoras para a realidade financeira actual do Estado e para o potencial de desenvolvimento da economia como um todo. Afinal, considerando que o conjunto dos demais agentes económicos nacionais ostentam hoje uma capacidade de poupança residual, o Estado tem vindo a financiar-se sistematicamente nos mercados externos, o que se traduz num empobrecimento contínuo do País, por via dos elevados encargos assumidos com tais financiamentos.
Ao longo dos últimos meses, as dúvidas que emergiram sobre a capacidade de Portugal fazer face aos seus compromissos financeiros fez disparar as taxas de juro exigidas para a concessão de novos financiamentos ao Estado português mais agravando a referida situação financeira do País.
Mais do que o resultado de dúbios ataques especulativos das instituições financeiras internacionais, com a cobertura cúmplice das badaladas agências de rating, este fenómeno foi a consequência natural da perda de credibilidade externa do nosso País, resultante da incipiência das medidas adoptadas para a correcção destes desequilíbrios estruturais, dos parcos resultados das medidas adoptadas e da tragicomédia em que se transformou o reporte da nossa situação financeira, em matéria de previsões governamentais e resultados efectivos.
Por todas estas razões, todas elas de natureza estritamente interna, de salvaguarda do “interesse nacional” – como agora tanto importa frisar - , Portugal tem de facto que assumir como prioridade a adopção de medidas correctivas que permitam, no imediato, a restauração da confiança dos mercados financeiros, no curto prazo, o estancar da sangria financeira da Nação e, no médio e longo prazo, a criação de condições para a retoma do crescimento económico e a criação de emprego.
Em vez de atacar de forma séria e determinada este problema, o actual Governo tem optado por ignorar os constantes apelos e alertas de todas as organizações económicas internacionais, dos Governos dos outros Estados-membros e dos principais responsáveis da União, dos principais partidos políticos da Oposição, do Presidente da República e da generalidade dos analistas e académicos.
Obcecado pelo argumento de que Portugal mergulhou numa tempestade importada e pela teimosia de fazer crer a cada momento que já sopravam os ventos da mudança, o Executivo de José Sócrates resvalou para uma lógica de incompetência técnica e irresponsabilidade política com que desperdiçou o voto de confiança dos portugueses e a postura de cooperação responsável do Partido Social Democrata.
Quando a “tragédia” se revela iminente e a mitigação das dificuldades financeiras do País parece exigir a intervenção concertada do FMI e do Fundo de Estabilização Financeira Europeu, o actual Primeiro-Ministro volta a evidenciar todos os seus dotes de “jogador“ e procura avançar para a que considera ser a sua última tábua de salvação: a convocação de eleições antecipadas, num cenário em que surja como vítima do ataque voraz ao poder dos partidos da oposição, contra o suposto “Interesse nacional”.
Para tal, mais do que as questões inerentes aos múltiplos atropelos institucionais com que pautou a sua conduta em torno da apresentação pública do PEC IV, mais do que as inenarráveis contradições que produziu sobre as opções que o mesmo contém ao longo de pouco mais que uma semana, optou por fazer incluir neste pacote de medidas um conjunto de iniciativas que esquecem as principais raízes do mal que assola as contas públicas nacionais e que tomam como alvo os mesmos de sempre, hoje já os mais fragilizados com toda a conjuntura económica, financeira e social existente.
A título de exemplo, em vez de desencadear qualquer acção para conter o descalabro da situação do sector empresarial do Estado, o Governo socialista volta a atacar pela via dos impostos, dos salários, das reformas e das pensões dos que mais precisam.
E, a cada novo noticiário, a cada nova aparição pública de José Sócrates e dos seus colaboradores mais próximos, só me ocorre um dos anúncios mais ouvidos nas ondas da rádio: se não guarda quilos de resíduos na sua casa, porquê guardá-los no seu Governo?
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