As SCUT – estradas em regime de concessão com portagem Sem Custo para os UTilizadores, foram introduzidas no nosso enquadramento jurídico em 1997, seguindo um modelo há muito utilizado no Reino Unido.
Em concreto, as SCUT não são mais que uma aplicação no domínio rodoviário dos princípios subjacentes às “Parcerias Público-Privado” (PPP), através das quais o Estado procura contratualizar com privados a construção de determinadas infra-estruturas, facultando-lhes, em contrapartida, a gestão de tais infra-estruturas por um período subsequente (normalmente, de 20 a 50 anos).
Ao fazê-lo, o Estado consegue diluir por um prazo mais alargado os custos do investimento em tais infra-estruturas (o que releva tanto mais quanto maiores forem os constrangimentos financeiros imediatos com que se deparar) e beneficiar da capacidade de agentes privados especialmente vocacionados para o acompanhamento das diferentes fases da vida destas infra-estruturas.
Neste processo, porém, assumem-se como factores críticos de sucesso, na perspectiva do Estado, a sua capacidade negocial inicial e os mecanismos de controlo da gestão dos recursos públicos durante a vida da concessão.
Por este mesmo motivo, aliás, assistiu-se a sucessivos protelamentos no lançamento dos concursos para os Hospitais em regime PPP, face à tentativa do Estado tentar minimizar o impacto financeiro das concessões, sem prejuízo da qualidade do serviço prestado aos utentes.
No que respeita às SCUT, esta modalidade de financiamento das novas vias rodoviárias generalizou-se durante o primeiro Governo de António Guterres, pela mão do então Ministro das Obras Públicas João Cravinho, permitindo a proliferação de novas e modernas vias por todo o País, em complemento ao mapa de auto-estradas herdado da “era” de Ferreira do Amaral.
De notar, no entanto, que a opção adoptada contrariou, desde logo, os princípios estabelecidos na Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, uma vez que a mesma assumia que as concessões apenas seriam aplicáveis a trajectos de longa distância, que não fossem de acesso imediato a grandes centros urbanos e que dispusessem de modelos de cobrança de portagem efectiva, com custo para os utilizadores.
Ora, ao contrário do que decorre de tais princípios, nas SCUTS, o Estado substitui-se aos utentes no pagamento das portagens, proporcionando, ainda que aparentemente, um serviço gratuito. Naturalmente, a “aparência” de tal pagamento prende-se com o facto de o custo não ser directamente suportado pelo utilizador, sendo antes suportado pelo erário público e, logo, pela generalidade dos contribuintes.
Sendo assim, levanta-se a questão da justiça social deste modelo, em que a generalidade dos cidadãos suporta o custo de um benefício que apenas serve a alguns.
Neste cenário, podem sempre invocar-se, com razoabilidade, os princípios da coesão nacional e do impulso ao desenvolvimento de determinadas regiões mais desfavorecidas, mas tais considerações não podem prejudicar uma análise pragmática das opções existentes face à realidade actual e aos objectivos a prosseguir no futuro.
Há já bastantes anos, como o Tribunal de Contas destacou num cáustico Relatório de Auditoria divulgado em Maio de 2003, o Estado constatou que se depara com uma situação insustentável do ponto de vista financeiro, com encargos anuais de várias centenas de milhões de Euros, por prazos que se estendem pelas próximas décadas.
A opção do Governo pela introdução de portagens efectivas nas SCUT, que deveria ser polvilhada com o estabelecimento de regimes provisórios de isenção para residentes e empresas, é apenas uma forma – talvez a única possível – de mitigar este problema. Mitigar, porque sendo certo que tal decisão pode provocar uma quebra do volume de tráfego, tal induzirá reclamações de reequilíbrios financeiros por parte das concessionárias. Em qualquer caso, e mesmo que este cenário se concretize, conseguir-se-á, porém, reduzir drasticamente a factura que o Estado terá que pagar e assumir o princípio do utilizador-pagador.
Enquanto se aguarda por um acto de coerência da política governativa nesta matéria, nomeadamente no que concerne às assimetrias entre diferentes regiões do País, o Norte volta a assumir-se como o parente pobre das políticas de desenvolvimento territorial.
E, só por isso, se justifica o protesto veemente contra mais uma decisão arbitrária de um Governo cada vez mais moribundo.
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