Os profetas da desindustrialização e a encarniçada defesa da realidade
Economia

Os profetas da desindustrialização e a encarniçada defesa da realidade


Destaco abaixo alguns excertos das profecias acerca da iminente destruição do parque industrial brasileiro. Volto depois para comentá-las.

Câmbio, internacionalização e desindustrialização
A opinião é de empresários, aliás, de grandes empresários: o câmbio está levando o Brasil a uma desindustrialização. Não confundir o processo que os empresários estão apontando com a internacionalização da empresa brasileira, a qual, já vinha ocorrendo e ganhou força nos últimos anos em função de uma importante reestruturação empresarial ocorrida no país.

(...)

Seja da indústria, agroindústria ou agropecuária, ninguém falou em exportar menos no curto prazo, mas todos concordaram que o emprego, assim como a produção industrial local, já está arcando com o ônus de tantos desajustes. A médio prazo, as exportações deverão declinar, senão em termos absolutos, pelo menos em termos comparativos ao avanço do comércio mundial.

(Júlio Gomes de Almeida, 11/Mai/2006)

Carta IEDI n. 252 - Desindustrialização e Dilemas do Crescimento Econômico Recente

Podemos dizer que a desindustrialização está aumentando e indicamos como causas:

a) A política de altas taxas de juros que afeta a demanda agregada de 3 formas: inibindo o investimento e o gasto público, componentes da demanda que geram renda e emprego, e as exportações pelo efeito que elevadas taxas de juros exercem sobre a conta financeira e de capital. Inibir o crescimento implica em comprometer o crescimento da produtividade industrial e conseqüentemente da competitividade da economia.

b) A tendência à valorização do câmbio, resultado da política de elevadas taxas de juros doméstica, é reforçada pela valorização internacional do preço das commodities. Essa excessiva apreciação cambial e aquecimento no mercado de commodities desestimulam a exportação de outros produtos que perdem competitividade.

c) A valorização cambial provoca a substituição de produção doméstica por produtos importados, o que se observa em especial no setor produtor de bens duráveis de consumo nos períodos mais recentes.

d) O ambiente de política econômica pouco propício ao crescimento não tem estimulado o investimento privado, mesmo com o câmbio favorável à importação de máquinas e equipamentos.

e) Em síntese, mesmo dotado de um parque industrial amplo e diversificado, verifica-se nos últimos anos um processo de desindustrialização no País, fruto da combinação perversa de taxa de juros elevada e câmbio valorizado. Tal combinação restringe a expansão do investimento e das exportações, corroendo a competitividade e levando a perdas de produtividade na indústria.

Belluzzo adverte para real supervalorizado e desindustrialização

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo afirmou que o "forte declínio da participação da indústria manufatureira" no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro – situação revelada a partir da nova fórmula de cálculo da riqueza nacional – e no emprego revela um processo de desindustrialização. "Há fortes indícios, ademais, de que a valorização do real está promovendo o rompimento dos nexos inter-industriais das principais cadeias de produção", assinalou, em artigo para a "Folha de S. Paulo".

(Hora do Povo, 13/Abr/2007)

Negociações comerciais e desindustrialização

Embora bem menos do que a Argentina e a maioria dos latino-americanos, o Brasil já sofre de desindustrialização precoce, que pode se agravar se cairmos na armadilha que se prepara nas negociações da OMC (Organização Mundial do Comércio). O que se trama para o final da Rodada Doha é a refilmagem do "happy end" (para os desenvolvidos) da Rodada Uruguai. Começando pela reunião de Hong Kong, de 12 de dezembro, para culminar, provavelmente em junho de 2006, prazo limite para as negociações, os europeus estão articulando, como em "O Poderoso Chefão", uma "oferta que não poderemos recusar". Isto é, a oferta em agricultura será irrisória, mas virá embrulhada em embalagem publicitária para nos fazer assumir o ônus de enfraquecer a OMC, se a rejeitarmos.

(Rubens Ricupero, 27/Nov/2005)

Economistas alertam para desindustrialização

Apesar do crescimento de 6,8% da indústria apontado pelo PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre do ano, economistas e entidades ligadas ao setor afirmam que a chamada “desindustrialização” do país está se aprofundando.

“É o câmbio, estúpido!”, afirmou ontem o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, coordenador do 4º Fórum de Economia, promovido pela FGV (Fundação Getulio Vargas), ao discutir os motivos que estariam agravando o problema. Bresser-Pereira afirmou que o governo Lula vem praticando “populismo cambial” para segurar a inflação por meio do real valorizado, o que faz os preços de importados ficarem mais baratos.Com os juros ainda elevados atraindo dólares ao país e altos saldos comerciais sustentados por fortes vendas externas, além de preços altos nos setores agrícola e de minérios, o economista prevê um aprofundamento da “desindustrialização” em setores de maior valor agregado.

(...)

Edgard Pereira, economista-chefe do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), disse que metade do valor adicionado (a riqueza gerada) pela indústria já depende hoje de setores que têm por base recursos naturais. “Não se trata de ser contra os setores de commodities ou mais básicos, mas, sem estratégia para os segmentos mais sofisticados da indústria, chegaremos a um resultado ruim.”

Seminário Internacional Industrialização, Desindustrialização e Desenvolvimento

A política de juros altos brasileira é a grande razão para o processo de desindustrialização precoce pelo qual passa o País. A opinião é do vice-presidente da República, José Alencar, e foi expressa durante o seminário Industrialização, Desindustrialização e Desenvolvimento, realizado dia 28 de novembro, na Fiesp

(...)

O vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), João Sayad, utilizou os juros altos adotados no País como explicação para a desindustrialização brasileira. "A política macroeconômica brasileira não privilegia o emprego e não tem escrúpulos em fixar a taxa de câmbio a valores altamente insatisfatórios".

Dólar abaixo de R$ 2 acelera desindustrialização

O dólar abaixo dos R$ 2 vai acelerar a perda de participação da indústria na economia brasileira. A avaliação é de Edgard Pereira, economista-chefe do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).

(17/05/2007)


* * *

Estas foram as profecias. Agora vamos aos fatos.

Em 2007 produção industrial brasileira apresentou crescimento de 6%, alcançando 5% a.a. de crescimento médio nos últimos 4 anos, a média mais alta desde 1997.

O setor com crescimento mais acelerado foi o de bens de capital (19,5% de expansão no ano), com a produção de bens de capital para uso industrial crescendo a bagatela de 17%. Curiosamente, os empresários desmentem a Fiesp, Iedi e seus asseclas e, de forma impatriótica, resolveram investir, desmentindo a tese da desindustrialização.

Os cinco segmentos que mais cresceram foram os seguintes:

a) Máquinas e equipamentos: 17,7%;
b) Veículos automotores, 15,2%;
c) Máquinas para escritório e equipamentos de informática, 14,4%;
d) Máquinas, aparelhos e materiais elétricos, 14,0%;
e) Outros equipamentos de transporte, 13,9%.

Os cinco piores desempenhos foram registrados por:

a) Fumo, -8,1%;
b) Madeira, -3,2%;
c) Calçados e artigos de couro, -2,2%;
d) Diversos, -1,6%;
e) Material eletrônico e equipamentos de comunicação, -1,1%.

As listas são auto-explicativas, mas, como este pessoal sofre de déficit de atenção aos dados, é bom trocar em miúdos. Nenhum dos setores de crescimento mais acelerado é remotamente associado a commodities. Pelo contrário, são setores produtores de bens diferenciados com conteúdo tecnológico de médio para alto. Em contraste, entre os segmentos que tiveram pior desempenho apenas o setor de material eletrônico e equipamentos de comunicação pode se classificar como tal. Os demais segmentos se caracterizam pelo baixo conteúdo tecnológico, inclusive o sempre citado setor de couro e calçados.

Quanto às exportações, se é verdade que o crescimento da exportação de primários alcançou 29% nos 12 meses terminados em janeiro, o crescimento da exportação de manufaturados, embora menor, atingiu 13%, no contexto em que o comércio mundial se expande a cerca de 14%. No entanto, é bom lembrar que vários produtos da pauta de manufaturas são, na verdade, commodities (suco de laranja, açúcar refinado, placas de aço), o que poderia distorcer este cálculo.

Olhando a exportação brasileira por uma ótica um tanto diferente (commodities X produtos diferenciados), observamos, nos últimos 12 meses, uma expansão de 18% das commodities contra 14% dos produtos diferenciados. Mesmo retirando das exportações de produtos diferenciados as plataformas de Petrobrás (“exportação ficta”), o crescimento dos produtos diferenciados atingiria 13%, dificilmente um sinal estagnação.

Quanto ao emprego industrial, o Caged revela a criação de 395 mil novos postos de trabalho no setor em 2007, quase 60% a mais que no ano anterior. No ano passado, de cada quatro empregos gerados, um foi criado no setor industrial. Em 2006 a indústria respondeu por um em cada cinco novos empregos. Para uma política que “não privilegia o emprego e não tem escrúpulos em fixar a taxa de câmbio a valores altamente insatisfatórios”, os resultados me parecem bastante bons.

Em suma, os profetas da desindustrialização erraram feio. Não que isto vá fazer qualquer diferença em suas “análises”, já que a conclusão já foi alcançada antes do começo do processo e as evidências empíricas em contrário são apenas aspectos irritantes de uma realidade que se recusa a se render a estas mentes superiores.



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