Ricardo Lacerda
A manutenção do real apreciado por um período muito longo, como vimos nos dois artigos anteriores, encareceu a produção industrial brasileira e solapou progressivamente a sua competitividade tanto no mercado doméstico quanto no mercado internacional. Em magnitude expressiva, o Brasil perdeu participação no comércio mundial de produtos manufaturados, enquanto no mercado doméstico o coeficiente de penetração das importações registrou crescimento generalizado. A produção física da indústria de transformação brasileira deixou de crescer desde o final de 2008, quando foi deflagrada a grande recessão que marca o cenário atual da economia mundial.
Desindustrialização precoce
A manutenção do real apreciado por tantos anos, apesar das evidências da deterioração da atividade industrial foi, tanto nos anos noventa quanto no período mais recente, uma opção feita pelo governo em privilegiar o consumo em relação à produção e de favorecer as atividades de serviço em prejuízo das atividades manufatureiras.
De uma parte, o acesso a bens importados a preços artificialmente baixos, posto que não sustentável no longo prazo, inflou o poder de compra da população, mesmo que a custa da produção interna. De outra parte, enquanto o ciclo de crescimento acelerado da renda interna perdurou, os preços dos bens não comercializáveis descolaram em relação aos preços dos produtos manufaturados, transferindo renda do setor industrial para o setor de serviços.
O gráfico abaixo resume duas faces da perda de competitividade da atividade industrial brasileira entre 2007 e 2014. Nesse período, a participação da indústria de transformação no Valor Adicionado caiu de 16,6% para 10,9%, enquanto o peso dos produtos importados na oferta interna de produtos manufaturados (o coeficiente de penetração das importações) cresceu de 15,3% para 20%. À semelhança de outros países de renda média, o Brasil enfrenta um processo de desindustrialização precoce, caracterizado pela queda da participação do valor industrial na geração de riqueza antes mesmo de ter alcançado patamares de renda mais elevados.
Fonte: CNT do Banco Central; Coeficientes do comércio exterior da Funcex.
O ajuste e a depreciação do real
Ao longo de 2015 a situação da indústria de transformação se agravou. As medidas de adotadas pela equipe econômica de compressão da demanda agregada foram muito fortes e fizeram despencar o poder de compra da população. A elevação nas tarifas de energia elétrica, o ajuste nos preços dos combustíveis, as restrições à demanda e à oferta de crédito e a elevação nas taxas de juros provocaram queda acentuada na renda disponível das famílias.
A transição para um novo patamar de câmbio que favoreça a competitividade da atividade industrial não é indolor. Na verdade, os custos sociais são imediatos e bastante elevados, não havendo outra razão para os governos a adiarem enquanto for possível. Se valorização da moeda nacional incrementa o consumo das famílias e infla a popularidade, a depreciação da paridade faz o trabalho contrário.
A desvalorização da moeda tem como impacto imediato a pressão sobre os preços e a perda do poder de compra da população e foi determinante para derrubar a popularidade do segundo governo FHC e tem sido um dos principais fatores de insatisfação com a administração de Dilma Rousseff. A aceleração da desvalorização do real desde meados de 2014, que foi intensificada ao longo de 2015, foi mais um fator a agravar a situação da indústria. Como era esperado, os efeitos negativos sobre a inflação e sobre o poder de compra da população se manifestaram inicialmente com maior intensidade do que os efeitos positivos sobre a sua competitividade. A produção industrial do primeiro trimestre de 2015 ficou 7,9% abaixo do mesmo período do ano passado e a do segundo semestre, 8,7%, na mesma comparação.
Isso não significa, todavia, que as condições da competitividade da indústria já não estejam sendo impactadas favoravelmente pela mudança da paridade cambial.
Publicado no Jornal da Cidade, em 30/08/2015
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