Economia
O retorno do filho pródigo
Era uma vez um mercador que, para sua surpresa e desgosto, descobriu que seu filho mais velho devia uma enorme quantia, sobre a qual pagava juros elevadíssimos. Bom pai, e preocupado com a reputação, o mercador decidiu que deveria ajudá-lo. Já que seu crédito era melhor que o do rapaz, tomou emprestado a juros menores o montante que o filho devia e pagou os credores. Porém, para que o rapaz aprendesse a lição, obrigou-o a pagar-lhe de volta a dívida, mas com juros literalmente de pai para filho, isto é, inferiores àqueles que pagara para obter os recursos com que quitara a dívida.
Para a família como um todo não foi um mau negócio. A taxa de juros que incidia sobre a dívida ficou menor, reduzido o montante que pagaria caso o velho não tivesse interferido. Olhando, no entanto, cada membro da família, a distribuição do ganho foi bastante desigual.
O filho pródigo foi o grande ganhador. Ao invés de pagar a taxa de juros cobrada de quem tinha crédito ruim na praça, acabara pagando uma taxa ainda menor que a cobrada do pai.
Já o resto da família não achava a situação tão positiva. Por um lado tivera que assumir a dívida do filho, o que piorou o crédito do patriarca. Caso quisesse tomar mais dinheiro emprestado o velho teria que pagar uma taxa de juros mais elevada. Não bastasse isto, ainda tinha que assumir o subsídio ao filho estróina, isto é, a diferença entre os juros que a família pagava aos seus credores e o juro que o filho pagava ao pai. Os demais irmãos tiveram que trabalhar mais (ou, de forma equivalente, receber menos do pai) para cobrir a quantia, na prática pagando pelo destempero do mais velho.
Com o passar dos anos, porém, o patriarca se recuperou. Conseguiu pagar a dívida e seu crédito voltou a melhorar. A evolução foi tanta que o mercador conseguiu tomar dinheiro a taxas menores do que aquelas que cobrara inicialmente do filho. No entanto, ao anunciar, orgulhoso, que conseguira refinanciar a dívida a juros inferiores aos cobrados do filho o velho deflagrou uma crise familiar.
O rapaz, agora um homem, exigiu do pai que lhe repassasse os ganhos, reduzindo também os juros sobre sua dívida para com o mercador, “senão passaria a subsidiar o resto da família”. Se dependesse do velho, isto teria ocorrido, mas uma das irmãs não permitiu. Por que, perguntou, quando era ele o subsidiado, onerando os demais membros da família, o irmão não se oferecera para pagar uma taxa de juros igual à cobrada do pai? Além disto, se no futuro a situação da família voltasse a exigir taxas de juros mais altas, o irmão estaria disposto a continuar pagando a taxa que seria cobrada da família, ou exigiria a volta à situação anterior?
O conto se encerra aqui, sem conclusão, porque não conhecemos ainda o seu final. Sabemos que o custo do financiamento da dívida federal ameaça – passados mais de 10 anos da assunção pela União da dívida dos estados e municípios – atingir patamar inferior à taxa de juros cobrada na reestruturação de suas dívidas. Sabemos também que estados e municípios já se mobilizam para tentar novamente renegociar suas dívidas com o governo federal, convenientemente esquecendo o enorme subsídio que obtiveram da União (ou seja, dos habitantes dos estados e municípios não beneficiados pelos acordos de reestruturação de dívidas) ao longo dos últimos anos. Só não sabemos se o governo federal irá se curvar à demanda do filho mais velho, ou se apontará sua iniqüidade gritante e dará aos demais brasileiros a parte que lhes cabe dos negócios da família.
(Publicado 01/Abr/2009)
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