O regime do presidente
Economia

O regime do presidente


Segundo a Folha de S. Paulo, Lula teria afirmado que “a defesa do emprego é mais importante que a inflação”, gerando certo desconforto. Na tentativa de desfazê-lo o ex-presidente negou a frase, que, de acordo com a gravação é: “Eu não quero que tenha desemprego para poder melhorar a inflação. Eu quero melhorar a inflação com pleno-emprego”.

As frases são realmente distintas. A primeira, renegada, se baseia numa noção falsa. Já a segunda, sem incorrer no mesmo erro, revela um desejo que, se não estritamente impossível, permanece improvável na prática, em particular sob as condições que vivemos hoje. A exploração destas diferenças deve ajudar a iluminar o problema.

Parece haver ainda quem acredite numa oposição permanente entre inflação e desemprego (ou crescimento), ou seja, que a manutenção de taxas reduzidas de inflação requereria desemprego elevado e, simetricamente, que uma inflação mais alta permitiria desemprego menor. Assim, caberia ao governo escolher a combinação entre desemprego e inflação que melhor expressasse as preferências do público.

A justificativa soa óbvia. Quando o desemprego cai, os salários se aceleram; caso seu aumento (digamos 10%) ultrapasse o da produtividade (digamos 5%), os custos por trabalhador subiriam (4,8%) e pressionariam a inflação. Pelo mesmo raciocínio, o aumento do desemprego levaria à desaceleração dos salários, portanto inflação mais baixa.

Embora intuitiva, a história deixa de lado um aspecto importante. De fato, quando o mercado de trabalho aperta, trabalhadores demandarão salários mais altos, mas, como não são tolos, conseguem distinguir entre aumentos salariais nominais e reais, isto é, se o aumento prometido será, ou não, suficiente para repor o custo de vida mais elevado.

Isto dito, como todos nós, não sabem exatamente como a inflação irá se comportar ao longo do período em que seus salários foram fixados (um ano, por exemplo); tratam, portanto, de incorporar aos salários suas expectativas de inflação para os próximos 12 meses. Caso acreditem que a inflação se acelerará porque o governo prefere reduzir o desemprego, adicionarão às suas demandas uma parcela que reflita expectativas mais elevadas.

Este processo, contudo, termina por frustrar a queda do desemprego, já que os salários reais não se alteram muito (só pelos erros naturais de previsão). Não é possível, pois, “comprar” menos desemprego (ou mais crescimento) com mais inflação, pelo menos não de forma persistente. Quem buscar defender o emprego à custa de mais inflação terminará apenas com inflação mais alta, sem ganhos do ponto de vista de desemprego.

Tendo isto em mente, saindo de uma situação com inflação acima da meta, seria em tese possível reduzi-la mantendo a economia em pleno-emprego (isto é, o desemprego na sua “taxa natural”), desde que as expectativas de inflação convergissem para a meta. Já do ponto de vista prático, as dificuldades são enormes.

Para começar, o desemprego deveria estar próximo à “taxa natural”, isto é, aquela em que os aumentos de salários nominais (deduzidos do aumento da produtividade) se encontrassem próximos à meta de inflação. Adicionalmente as expectativas deveriam também estar na meta.

Segundo, porém, os dados do IBGE os aumentos salariais andam na faixa de 8% a.a., contra crescimento da produtividade inferior a 1% a.a. Já as expectativas se encontram ao redor de 6% a.a., deixando claro que as condições para uma desinflação sem custos não se encontram presentes, em boa parte devido à política desastrada do BC a partir de 2011.

Neste contexto, “melhorar a inflação com pleno-emprego” equivale a tentar perder peso sem fazer regime.


Do ponto de vista político é sempre bom prometer ganhos sem sacrifícios; na prática, o difícil é transformar estas promessas em realidade. Exatamente por isto a inflação não irá cair e, mais à frente, será o desemprego a subir.

 Inflação baixa, crescimento alto e curo unha encravada!


(Publicado 12/Mar/2014)



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