O que chamamos de "política econômica" é a tentativa de usar todo o conhecimento acumulado pelos que estudaram os fenômenos econômicos no mundo ocidental, pelo menos desde Platão, que descobriu as virtudes da "divisão do trabalho e da especialização" no século IV antes de Cristo. Foi só no século XVII (com os fisiocratas) que esse conjunto de estudiosos foi chamado, por antonomásia, de "economistas".
Nos 25 séculos dessa história, mudou o mundo, mudaram as instituições e mudaram os valores do homem na linha não reta do processo civilizatório. A política econômica pode ser restritivamente definida como ações de um governo (limitado por uma constituição, que expressa as preferências reveladas livremente pela sociedade e garante a alternância do poder pelo sufrágio universal desembaraçado), que afetam a alocação e a distribuição dos recursos de que dispõe a sociedade e dos seus resultados.
O avanço da economia (entendida como o repositório das ideias não rejeitadas pela experiência) foi proporcionando aos governos várias receitas historicamente condicionadas de "boa governança". A partir dos anos 90 do século passado, cristalizou-se a ideia que eles poderiam controlar as variações da conjuntura econômica, manobrando a política fiscal (sua receita e despesa e controlando seu endividamento) e a política monetária (taxa de juros que determina a massa monetária e influi na "expectativa" da inflação).
Para produzir essa virtuosa combinação, entretanto, os governos deveriam: 1) garantir com instituições adequadas o funcionamento eficiente dos mercados; 2) abster-se de interferir no seu funcionamento, porque, "naturalmente", eles levariam à melhor alocação possível dos fatores de produção para maximizar o bem-estar dos consumidores; e 3) realizar as suas tarefas com a menor tributação possível.
Tudo o mais era simples: deixar para o setor privado mais eficiente o uso dos recursos sempre escassos para atender às demandas crescentes da sociedade, não importando quais fossem: educação, saúde, igualdade de oportunidade, desigualdade de renda, equilíbrio regional etc. Nunca incomodou aos seus formuladores o fato que não existe, na história do mundo, um só exemplo de país que tenha se desenvolvido seguindo tal receituário. Pelo contrário, todos os que se desenvolveram tiveram um Estado-Indutor visível ou invisível.
Ao longo desse caminho a economia que se pretendia "ciência" incorporou uma "ideologia" e completou-se como uma "religião"! Como o Cândido de Voltaire, educado no castelo Thunder-ten-tronckh por Pangloss (substituído pelo excesso de formalismo), boa parte dos economistas acreditou que, com suas lições, "tudo iria bem nesse mundo, que era o melhor possível".
Surpreendida e desmoralizada pela trágica crise financeira de 2007/09, a economia do "mainstream" reagrupa agora suas forças e descobre, com espanto, que se tivesse sido menos dogmática, e prestado um pouco mais de atenção a alguns que chamavam de heterodoxos, poderia ter antecipado, e talvez estimulado, a correção das tolices que o setor financeiro, com a conivência dos bancos centrais, estava fazendo. A memória é curta. Todos já esqueceram que o "maestro" Greenspan afirmava, em 2005, que "havia mais de dez anos de prosperidade à frente".
Mas é óbvio que o fracasso do "mainstream" não é o fracasso da economia: apenas o de uma de suas escolas! E, também, não é uma licença para outras tolices... Paradoxalmente, nunca foi tão importante como agora reter o que sobrou de bom da velha lição: 1) realizar uma política fiscal com olhos no longo prazo: anticíclica, com moderados déficits nominais, melhor financiamento da dívida e controle da relação dívida pública/PIB, reduzindo os gastos de custeio em benefício dos investimentos; e 2) realizar uma política monetária que não se restrinja apenas às manobras da taxa básica de juros, mas que olhe também, e corrija, os fatores que autoalimentam a inflação, que promova a competição bancária e que, com o suporte fiscal, vá reduzindo a nossa teratológica taxa de juro real.
A situação, entretanto, não é nada confortável quando analisamos as relações entre "objetivos" da política econômica e os "instrumentos" à disposição do governo para alcançá-los. Se temos dois objetivos, por exemplo, manter simultaneamente uma determinada taxa de inflação e um alto nível de emprego, precisamos de dois "instrumentos" independentes (isto é, a manobra de um instrumento não pode influenciar o outro). Por que não é possível fazê-lo usando o instrumento fiscal e o instrumento monetário? Simplesmente porque a política monetária e a política fiscal estão longe de serem independentes, a não ser a custos sociais insuportáveis.
A situação é mais complicada, porque o governo tem, necessariamente, múltiplos objetivos além de maximização do emprego e da estabilidade do valor da moeda, como a proteção social, a redução da pobreza, a segurança da renda dos desempregados, a redução das desigualdades de renda pessoais, a redução dos desequilíbrios regionais etc. Isso torna o exercício da política econômica em 95% de arte e 5% de sólido fundamento econômico.
Esse fundamento é o único "instrumento" independente que está inteiramente nas mãos do governo: uma segura e inteligente política fiscal. Parece ser isso que a presidente Dilma internalizou.